Que tal se a gente fizesse uma praça?

Em setembro de 2011, em Angico, durante a oficina de capacitação para o trabalho em rede social, dentro da proposta de pensar em projetos de melhorias para o povoado, a moradora Leonilde, mais conhecida como Lé, soltou uma ideia, assim, como quem não quer nada: “Que tal se a gente fizesse uma praça em frente à Igreja São José?” Os semblantes dos presentes se iluminaram e a Lé logo percebeu que não estava sozinha, sua ideia era muito mais que uma sugestão, era um grande desejo daquela comunidade. Rapidamente, ao seu redor, foi formado um grupo, que daria início à concretização desse sonho.

Segundo relatos de alguns moradores, a vontade de se ter uma praça já existia desde que a igreja foi construída, mas era algo que estava adormecido, aguardando uma iniciativa do poder público.

O que não existia ali naquela comunidade, mas que passou a existir a partir daquele dia foi a consciência de que o poder de realização estava com eles e que, juntos, poderiam transformar o que quisessem, inclusive um terreno vazio e sem vida em uma praça.

O alicerce do sonho

Mais empoderado e confiante, em 2012, o grupo começou a se mexer, rumo à realização daquele sonho. Para definir como seria esse espaço, optou-se por envolver as crianças, realizando com as turmas de ensino fundamental da escola pública local a atividade “Se essa praça fosse minha”, em que os pequenos demostraram seus desejos e opiniões sobre o projeto por meio de desenhos.

Em seguida, conseguiram a parceria da empresa TPA (Topografia Projetos e Agrimensura), que com base nos resultados do trabalho com as crianças, criou a planta baixa, o memorial descritivo e o levantamento orçamentário para a construção da praça.

Em uma visita ao povoado, o prefeito, na ocasião, comunicou à Rede Social de Angico Peixe e Região, que tinha conseguido um recurso do Orçamento Geral da União, que seria destinado para esse fim. Empolgados com a boa nova, o grupo a noticiou em um evento de divulgação da Rede à comunidade, onde também foi apresentado o projeto da praça, por meio de uma maquete criada por integrantes da Rede e exposição dos desenhos das crianças. Além disso, também propuseram um concurso para a escolha do nome. Com a sugestão de 50% dos participantes, ficou definido: seria Praça São José – padroeiro do povoado.

E que tal se a praça fosse feita em mutirão?

Mais um ano se passou, e com ele houve a troca da administração do poder público local. O recurso prometido pela gestão anterior não chegou e também não foi localizado.

Esse fato gerou uma grande frustração em todos. E foi a vez do Instituto Lina Galvani ter uma boa ideia: e se a praça fosse construída por meio de um mutirão comunitário?

Em contato com a metodologia e filosofia do Instituto Elos, o ILG viu nessa parceria a possibilidade de um trabalho em conjunto com total sintonia e alinhamento de valores, inclusive com a ideia do trabalho em rede em prol do desenvolvimento comunitário. O jogo Oásis – uma ferramenta de apoio à mobilização cidadã para a realização de sonhos coletivos – seria perfeito para a ocasião.

A Rede recebeu a sugestão com alegria e empolgação. “A Ceia de Natal deste ano será coletiva e na praça!”, foi a ideia de Solimar, a Sol, umas das integrantes do grupo.

Os membros da Rede entenderam que essa forma de viabilizar o projeto dependeria muito mais deles. Agora, além da articulação de recursos financeiros e materiais, também precisariam identificar talentos locais e persuadi-los a entrar no jogo.

É bom demais pra ser verdade

Alguns dias antes do projeto começar, a integrante da Rede, Jorene, trouxe sua preocupação: “E se não der certo? A credibilidade da rede vai por água abaixo. O tempo é muito curto. E o material pra dar o pontapé inicial? Os recursos aqui são escassos, tudo é longe e difícil. Estou com frio na barriga”.

A Jorene não foi a única a ficar insegura. No começo, algumas pessoas também duvidavam que a praça saísse. D. Menininha contou que “alguém dizia que a gente era bobo, besta, que isso nunca aconteceria, mas a gente nunca desanimava”.

Aos poucos, com as atividades em andamento e a mobilização que foi se formando em torno dessa construção, o projeto foi ganhando a confiança da população e segundo D. Menininha, “abrindo a cabeça das pessoas e colocando memória”.

Isso sem contar com as manifestações espontâneas daquele público ao qual mais se queria agradar: as crianças. Participando da atividade de construção da maquete, Adailton Filho, de 5 anos, chorou de emoção e tocou o coração dos presentes ao se dar conta de que aquele parquinho em miniatura era um projeto real que seria construído na semana seguinte: “Esse parquinho vai existir mesmo? Eu não acredito que vou poder brincar nele de verdade!”

A Prefeitura Municipal de Campo Alegre de Lourdes se preocupou com aquela movimentação inusitada e quis saber exatamente como seria essa construção. Um grupo de pessoas foi até lá esclarecer o projeto e levaram tanta empolgação que voltaram para Angico com mais um grande parceiro.

Além da prefeitura, do Instituto Lina Galvani e da Galvani que viabilizaram o sonho, muitos pequenos comércios e moradores do povoado e redondeza se sensibilizaram com a inciativa e contribuíram com o que podiam. Ao todo, foram 90 apoiadores de Angico, Campo Alegre e Caracol, da Câmara de Vereadores à D. Maria, beneficiária do bolsa família.

Um povo talentoso, criativo e arretado!

Em um das atividades, o Xoxo levou uma maquete que já tinha feito da praça, com iluminação e tudo mais e inspirou o grupo na hora de materializarem o sonho numa maquete coletiva.

A Cássia observou uma vez como o Paulo, do Instituto Elos, abordava um dono de comércio e conseguia dois sacos de cimentos e concluiu: “Ah… é assim? Aprendi, acho que posso fazer”, saiu em busca de recursos e conseguiu um bocado!

As crianças, na véspera do mutirão, organizaram um “panelaço” e percorreram o povoado, gritando, batendo panelas e convidando a todos para se juntarem à Rede na construção daquele sonho.

A Graciela, no primeiro dia de “mão na massa”, que estava agendado para começar às 8h, olhou para o relógio, viu que marcava 7h45, não enxergou ninguém no local combinado e não teve dúvidas: “Mandei comprar fogos de artifícios e soltar. Na medida em que iam estourando, eu via gente saindo com enxada e ferramentas de tudo que era buraco!”

Os meninos carregavam blocos, carrinhos com cimento, areia, água. As meninas recebiam e enturmavam as pessoas que iam chegando. E muitas vezes, também trocavam de papéis.

No início, os homens não deixavam as mulheres pegarem na enxada, mas depois perceberam que muitas delas tinham força e determinação o suficiente para cimentar a praça inteira. A Rosa Maria foi uma prova dessa força feminina.

A D. Menininha e um grupo de mulheres organizaram o time das cozinheiras que cuidaram da alimentação de todo o pessoal que trabalhou nos 3 dias de mutirão. Quando a turma aumentava e a comida parecia não dar, ela não se preocupava: “É por uma boa causa, Deus há de nos ajudar”.

Um time de funcionários da Galvani se revezava em suas horas vagas. Como foi o caso do Anizaldo, que acordava cedo, pegava firme na enxada e só parava pouco tempo antes de tomar banho e ir para o trabalho na empresa.

Também teve um grupo de mulheres que fizeram uso da delicadeza e bom gosto para enfeitarem a praça com plantas, flores e cores. Algumas plantando mudinhas, outras pintando detalhes dos objetos que estavam prontos.

Muitos pedreiros, carpinteiros e pintores experientes, também fizeram questão de dar a sua contribuição nessa grande obra. O Joãozinho, por exemplo, disse que estava usando a experiência adquirida em São Paulo, para dar 3 dias ou quantos fossem necessários para que seus filhos e netos tivessem onde brincar e pudessem ver um lugar bonito quando fossem à missa. O seu empenho foi reconhecido e no final do mutirão, tinha sido contratado para outros serviços.

As crianças se revezavam entre carregar tijolos, espalhar areia, pintar o parquinho, fazendo de tudo isso uma grande brincadeira. Quando alguém questionou se não deveriam esperar que os brinquedos ficassem prontos para usá-los, a Sol saiu em defensa delas: “as crianças de Angico já esperaram muito tempo para ter onde brincar, não vamos pedir para que esperem mais, deixe elas brincarem!”

Muitos idosos, aposentados que há muito não se envolviam em trabalhos pesados também arregaçaram as mangas e deram o melhor que podiam. “Quando um não pode com o peso, junta dois ou três e arriba!”, explicou o Sr. Osmar.

O Sr. Jonas estava tão ansioso para ver a praça pronta, que mal conseguia dormir à noite. Preocupado se as mudinhas plantadas sobreviveriam, acordou às 4h da manhã e tratou de regar uma por uma.

Algumas senhoras passavam distribuindo água, cafezinho e apoio. Outros, mais apressados, passavam ao menos para parabenizar o trabalho e dizer que gostariam de contribuir de alguma forma. E alguns simplesmente colocavam suas cadeiras para fora, sentavam-se na calçada, e ficavam ali, assistindo àquele belo espetáculo.

E a lição que o balaio ensina é: como é forte a união

Não teve nada nem ninguém que os impedisse de continuar o trabalho para que esse sonho se tornasse realidade. Nem a chuva. Pelo contrário, um pé d’água no primeiro dia, além de divertir as crianças e aliviar o calor, trouxe água para ser misturada no cimento e fazer massa. E há quem diga que abençoou o mutirão.

E dessa forma, ao todo, o projeto de construção da praça contou com 210 pessoas botando a mão na massa. Homens e mulheres, de 2 a 75 anos, estudantes, trabalhadores, aposentados, moradores locais ou não. Cada um colocando em prática talentos já conhecidos e descobrindo novos. Teve gente que surpreendeu seus pais, familiares, amigos e comunidade. Teve gente que surpreendeu a si mesmo.

Ao fim dos 3 dias, de um local vazio e frio, nasceu a Praça São José. Mesmo com muito pouca luz, já havia crianças brincando no parquinho e na quadrinha de futebol, jovens namorando e idosos sentados nos banquinhos jogando conversa fora.

Talvez não seja a praça mais perfeita possível e os participantes do mutirão são os primeiros a apontar que há trabalho para concluir e muitas melhorias que ainda podem ser feitas. Mas isso não é uma preocupação, um próximo mutirão para finalizar a praça já está marcado, e os construtores de sonhos não veem a hora de novamente colocarem a mão na massa.

A Jorene percebeu que a maior riqueza do seu povo é algo que não se vende em lugar nenhum: a união. E conseguiu junto com os integrantes da Rede comprovar a força da inciativa que eles vêm acreditando e fomentando há 2 anos.

A praça é a concretização do sonho da Rede e de cada morador de Angico. E essa conquista, construída com o melhor de cada um daquela comunidade, é também cheia de significado: afinal, há lugar melhor para se encontrar, conhecer gente nova e construir “redes” do que uma praça?