por Léo Voigt e Rebecca Raposo


Originariamente assistencialista, a ação social das organizações empresariais brasileiras observa uma substancial mudança a partir do final da década de 80 e, com maior ênfase, no início dos anos 90. É nesse período que o envolvimento das empresas com a área social começa a ser feito de maneira estratégica e a ganhar a dimensão que tem hoje.

Essa guinada de comportamento do empresariado é derivada das profundas transformações no cenário político-social e no mercado brasileiros. A Constituição de 1988, a Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Orgânica da Assistência Social e o Código do Consumidor, apenas para exemplificar, revitalizaram a sociedade civil organizada, foram fundamentais na ampliação dos espaços de participação e possibilitaram ao brasileiro ser um cidadão muito mais consciente e exigente. No mercado, a abertura à concorrência internacional – já então largamente globalizada – e o processo de privatização das empresas estatais provocaram uma reviravolta na competição pela preferência do consumidor e nas estratégias de negócios das corporações.

Diversos termos têm sido utilizados para definir essa maneira de o setor privado se envolver com a área social. Filantropia empresarial, cidadania empresarial e empresa cidadã estão entre eles e, freqüentemente, são usados como sinônimos, como se elucidassem um mesmo fenômeno.

A trajetória de 11 anos – 5 como grupo informal e 6 como instituição representativa de organizações privadas que investem recursos próprios em projetos sociais, culturais e ecológicos – levou o GIFE a optar pela utilização de dois conceitos para definir e para diferenciar a ação das empresas nessa área: responsabilidade social empresarial e investimento social privado.

A primeira diz respeito ao processo de gestão empresarial propriamente dito. É uma forma de conduzir os negócios da empresa de tal maneira que a torne parceira e co-responsável pelo desenvolvimento social, na clara conceituação desenvolvida pelo Instituto Ethos de Responsabilidade Social e adotada pelo GIFE. Ao observar os vários preceitos éticos da responsabilidade social na relação com seus públicos – governo, sociedade, fornecedores, meio ambiente, colaboradores – a empresa está buscando estabelecer um ambiente favorável ao seu posicionamento de mercado. Hoje, independentemente do tamanho, a organização que não oferecer condições saudáveis de trabalho ou não se preocupar em minimizar ou eliminar os danos ao meio ambiente, corre o risco de ver seus produtos rejeitados pelo consumidor. Cada vez mais na hora da compra, ele observa que empresa está por trás da marca de fantasia.

Portanto, se tomarmos como base de análise a origem e o fim dos recursos, no processo de responsabilidade social empresarial temos nitidamente o uso de recursos privados para fins privados. É evidente que este modelo de gestão corporativa, quando realizado observando-se os princípios éticos, beneficia direta e indiretamente a sociedade.

Existe um aspecto da responsabilidade social que obedece a outra lógica: o investimento na comunidade, que o GIFE denomina de investimento social privado e define como o uso planejado, monitorado e voluntário de recursos privados em projetos de interesse público. Aqui, temos o uso de recursos privados para fins públicos.

Já em 1995, o GIFE explicitava em seu Código de Ética a diferença entre o investimento social privado e a observância dos outros itens da responsabilidade social. Diz o texto que “os conceitos e a prática do investimento social defendidos pelo GIFE derivam da consciência da responsabilidade e da reciprocidade para com a sociedade, assumida livremente por empresas, fundações ou institutos associados (…) e são de natureza distinta e não devem ser confundidas nem usadas como ferramentas de comercialização de bens tangíveis e intangíveis (fins lucrativos) por parte da empresa mantenedora, como são, por exemplo, marketing, promoção de vendas ou patrocínio, bem como políticas e procedimentos de recursos humanos”.

No entanto, o mesmo Código de Ética afirma que “é justo que o associado do GIFE espere, como um subproduto de um investimento social com êxito, um maior valor agregado para sua imagem”. Porque o ganho de imagem como subproduto? Se a motivação original da empresa é se relacionar com a área social na perspectiva de ao fazer o bem, melhorar sua imagem e, portanto, ampliar seu lucro, ela não está praticando uma ação de investimento social privado. Essa atividade pode até trazer benefícios para a sociedade, mas trata-se de uma estratégia de posicionamento mercadológico. Isso porque quem primeiro tem que se apropriar do investimento social é a comunidade para o qual os recursos foram destinados. As empresas precisam ter muito claro qual o seu pressuposto e que tipo de ação desejam realizar. Essa clareza é fundamental, pois os elementos constitutivos, avaliativos e metodológicos do investimento social privado são de natureza muito distinta das ações mercadológicas.

Quando realizam um investimento social, as empresas acompanham de perto a implementação dos projetos que operam ou financiam, querem saber quais foram as mudanças obtidas nas condições sociais existentes antes de sua intervenção e se os recursos estão sendo aplicados com responsabilidade e eficiência. Para isso, diretamente ou por meio de seus institutos ou fundações, utilizam como parâmetro suas origens e adaptam conceitos, procedimentos e metodologias – aplicados com sucesso no mundo empresarial – na execução de projetos sociais.

Os empresários brasileiros vêm percebendo que é inconciliável, tanto do ponto de vista ético, como dos negócios, um cenário social em que coabitam empresas saudáveis e em crescimento, inseridas em uma sociedade enferma, com um fosso cada vez maior a separar cidadãos ricos e pobres. Entretanto, para que a sociedade possa reconhecer plenamente o caráter público das ações sociais das empresas é fundamental que, de um lado, elas estejam em consonância com as políticas públicas adotadas no país e, de outro, que tenhamos clareza dos conceitos e das práticas adotadas. Essas são condições necessárias para se obter esse reconhecimento também por parte do Estado, de quem reivindicamos a concessão de incentivos fiscais, não como privilégio a um setor, mas como parte de uma política pública de desenvolvimento social.

Fonte: site do GIFE