Por Rachel Cavalcanti Stefanuto*, em “Olhares sobre Desenvolvimento Comunitário – 10 perspectivas do impacto gerado por grandes empreendimentos”**

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Este texto busca trazer elementos que contribuam com a reflexão sobre a relação entre desenvolvimento sustentável, comunidades e empreendimentos econômicos. Para atingir seus objetivos, trabalhará o conceito amplo de desenvolvimento sustentável, seus elementos, suas condições e os desafios inerentes à sua efetivação.

Desenvolvimento sustentável

Desde meados da década de 1980, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou o relatório “O Nosso Futuro Comum”, além de outros inúmeros esforços institucionais promovidos pela ONU e organizações ambientalistas internacionais, o desenvolvimento sustentável é tema frequente em discussões e fóruns internacionais, e apesar disso ainda são raras as práticas exemplares de sustentabilidade, tanto de governos, de empresas, como da sociedade em geral.

O desenvolvimento sustentável pode ser definido como um processo de transformações estruturais ao longo do tempo, cujos resultados são positivos e podem ser verificados na esfera econômica, ambiental e, sobretudo, em toda a sociedade. Idealmente, os resultados das atividades econômicas são distribuídos à sociedade de forma equitativa. Em teoria, faz parte desse processo e do bem-estar social e econômico dele resultante o reconhecimento de limites ambientais de perpetuação do crescimento econômico, além da busca de alternativas para que se mantenha e melhore a base de recursos e serviços ambientais fundamentais ao funcionamento da economia e ao bem-estar da sociedade.

A prática do desenvolvimento sustentável está diretamente relacionada à possibilidade de se obter, de forma contínua, condições de vida iguais ou superiores para um grupo de pessoas e seus sucessores em um dado ecossistema. Isso significa prolongar a produtividade do uso dos recursos naturais, ao longo do tempo, enquanto a integridade da base desses recursos é mantida, viabilizando a continuidade de sua utilização.
No entanto, o que ainda se vê é um tipo de crescimento econômico que não se traduz em desenvolvimento sustentável, uma vez que não distribuem os seus frutos com justiça e equidade, além de acumular danos crescentes à biosfera e à sua capacidade de reprodução, ou seja, são impostos limites e ameaças à própria continuidade do sistema.

O desenvolvimento sustentável ainda não se configura como um vetor de direcionamento de políticas públicas, de desenvolvimento tecnológico, tampouco da gestão empresarial, de forma a permitir que suas decisões sejam acompanhadas de resultados socioambientais positivos.

A ausência da percepção de limites para o crescimento econômico se configura como um grande risco à preservação da vida no planeta, que só será possível pela manutenção dos processos ecológicos fundamentais, indispensáveis tanto aos negócios quanto à qualidade de vida da sociedade.

A prática do desenvolvimento sustentável exige que sua compreensão seja ampla e exaustiva, e entendida como algo composto por objetivos distintos, porém, interdependentes. Para melhor explicação do que está sendo exposto, é necessário usar o recurso didático de distinguir e categorizar esses objetivos em três grupos. No entanto, na prática da política e da gestão da sustentabilidade, sua integração de forma equilibrada é uma exigência.

Os objetivos ambientais exigem:

  • integridade dos ecossistemas, da base de recursos (flora, fauna, água, solo e subsolo) e serviços da natureza (fotossíntese, clima e ciclo hidrológico); manutenção e melhoria da capacidade de recarga e assimilação dos resíduos da produção e do consumo; manutenção da biodiversidade, ou seja, do estoque genético das espécies; garantir a resiliência ambiental ante os impactos das atividades humanas; estancar o ritmo da diminuição do número de espécies (plantas e cereais, principalmente), substituídas por seleção artificial de espécies de maior rendimento (que aumenta a necessidade de combate por biocidas – as mais novas ameaças à saúde humana).

Os objetivos econômicos devem considerar:

  • crescimento (desde que não seja ilimitado); eficiência e eficácia na gestão dos recursos financeiros, humanos e naturais; substituição crescente de insumos não renováveis pelos renováveis; crescimento das taxas de reutilização e reciclagem de materiais e de resíduos da produção e do consumo; diminuição de todas formas de poluição e de impactos negativos frequentemente externalizados à sociedade.

Os objetivos sociais são:

  • redução da pobreza (melhoria na estrutura de repartição de renda e da riqueza); redução de todas as demais formas de privação que resultem da falta de oportunidades econômicas, direitos civis, qualidade e confiança nas instituições, bem como de destituição social, negligência de serviços públicos, intolerância; acesso a trabalho com remuneração justa, que assegure, no mínimo, o atendimento a níveis de consumo de subsistência generalizada; melhoria nas condições de saúde, nutrição, educação, moradia e lazer a todas as camadas da população; redução dos bolsões de pobreza absoluta tanto em regiões afastadas quanto em zonas rurais e urbanas; paz, justiça e equidade e outras melhorias associadas ao campo político e às relações que combinam os fatores de produção, não apenas no plano tecnológico, mas também nas relações entre empregado e empregador; desenvolvimento e fortalecimento do empoderamento social, como garantia de participação social (liberdade democrática e equidade em processos decisórios); fortalecimento da identidade cultural, com respeito à diversidade, e do sentido de pertencimento; manutenção ou ampliação do sentimento de autoestima e autorrespeito, para os quais a autonomia e independência devem ser crescentes;

Tais condições, se atendidas, permitiriam à sociedade libertar-se em relação a violências e carências já mencionadas, tendo a possibilidade de viver o tipo de vida que escolheu, com acesso a instrumentos e oportunidades para fazer suas escolhas. São metas que, se adotadas como vetores para a formulação de políticas públicas e da gestão de negócios, permitiriam definir os critérios de avaliação do grau de desenvolvimento de uma sociedade.

Modelos mentais como desafio

Se as condições para o desenvolvimento sustentável já são conhecidas, a pergunta que continua a ser feita é: por que ainda não estão construídos os alicerces de sociedades sustentáveis? Essas razões vêm sendo cada dia mais atribuídas à necessidade de mudanças dos modelos mentais que influenciam a percepção, direcionam e determinam decisões e ações de todas as pessoas.

Pensamento fragmentado

Todo ser humano, assim como todos os elementos do meio natural, estão inseridos em um todo, sendo partes que interagem, relacionam-se e, portanto, são interdependentes. São essas relações que determinam os processos ambientais, espaciais, políticos, econômicos e culturais.

As relações de interdependência não são consideradas pelo modelo mental dominante, tratando todas as partes desse todo como se elas fossem independentes umas das outras. Como se as ações dos tomadores de decisões não fossem seguidas de consequências, que por sua vez têm outras consequências, gerando um círculo vicioso que se retroalimenta.

O pensamento fragmentado, que é uma das causas da insustentabilidade, é o mesmo que busca soluções para resolvê-la. É preciso ler o mundo e suas partes de forma orgânica, integrada, em que toda e qualquer parte é um elo interdependente e igualmente importante e determinante dessa organização.

A integração harmônica e simultânea dos pilares social, econômico e ambiental é possível aos formuladores de política, empresários e gestores de empresas que puderem perceber o mundo com esse novo olhar.
O olhar direcionado pelo pensamento sistêmico permite o exercício da inclusão, da substituição do ou pelo e. Com isso, o norteador da gestão dos negócios pode passar a ser a maximização dos resultados financeiros e a qualidade ambiental e a justiça social. Da mesma forma, as políticas públicas devem desenvolver programas e projetos que estimulem práticas que contribuam com o desenvolvimento social e o crescimento econômico e com o equilíbrio ambiental.

Pensamento imediatista

O imediatismo, a linearidade de causa e efeito, também limitam e determinam as ações e decisões, impedindo a generalização de resultados desejáveis e permanentes nos campos ambiental, econômico e social, principalmente quando se considera a exigência do longo prazo, do período de tempo indefinido.

A condição de continuidade, de não prejudicar as gerações futuras, contida na definição de sustentabilidade, não pode prescindir da inserção do longo prazo nos processos decisórios. No entanto, como incluir gerações futuras, se a geração presente ainda não tem suas necessidades atendidas? Como incluir o longo prazo em processos decisórios, se o elemento determinante é o retorno imediato, são os resultados financeiros de curto prazo?

Pensamento materialista

É outra característica limitante do modelo mental atual. Ele postula que somente o que é tangível deve e pode ser considerado em políticas governamentais e programas de gestão empresarial, uma vez que somente a tangibilidade material pode ser contabilizada em indicadores de perdas e ganhos. Tanto as externalidades sociais quanto as ambientais recaem sobre o que é intangível: quanto vale a vida de um trabalhador que morre por contaminação? E o ar ou a água potável? E o clima e a realização da fotossíntese?

Outra manifestação desse tipo de crença está no consumismo excessivo, que tão bem caracteriza a sociedade atual, como se a aquisição de bens materiais supérfluos e descartáveis fosse o caminho de mão única para a felicidade.

Pensamento individualista

A transformação do pensamento e das atitudes individualistas é ainda mais exigente, pois ela não pode prescindir de acessos que estão além da racionalidade, que deverá ser equilibrada com aspectos emocionais, princípios éticos e normativos. Essa mudança requer exercícios pouco praticados atualmente: o da empatia e da alteridade, nos quais o olhar deve se dirigir também para o outro com todas as diferenças existentes. O outro deve ser incluído em novas práticas de benefícios recíprocos, compartilhados por todos.

As comunidades e o desenvolvimento sustentável

Enquanto essas mudanças não ocorrem, como a dimensão social ou, mais especificamente, as comunidades têm sido incluídas na gestão das empresas? Pelo que explicitam em indicadores amplamente divulgados, o respeito aos direitos humanos e as ações de desenvolvimento local onde se instalam os empreendimentos ainda não vão além das obrigações legais exigidas para sua aprovação e início de atividades.

Quais pré-requisitos devem ser atendidos para que um empreendimento de pequeno ou grande porte seja caracterizado como uma atividade sustentável, ou, ainda, que se desenvolva de forma compatível com o que se define como sustentabilidade?

Todos eles foram enumerados anteriormente e são conhecidos por todos! Mas por que ainda não são uma realidade? Os gestores respondem que muitas das exigências do desenvolvimento sustentável são obrigações do Estado.

Essa resposta, porém, também já está subentendida acima, quando enumerados os desafios relativos às transformações dos modelos mentais e de princípios éticos vigentes.

Como promover essas transformações? Esse é o desafio maior que pode ter a educação (formal e não formal) como importante aliada, devido ao seu potencial único de estimular o desenvolvimento dos novos modelos mentais (que não descartam nem excluem os antigos) e de novos padrões de comportamentos éticos, comprometidos e inclusivos.

Certamente todas as exigências e transformações necessárias ao desenvolvimento sustentável não são simples, nem tampouco podem ser efetivadas de forma isolada por um ou outro segmento da sociedade. Elas requerem um trabalho estratégico de parcerias, demandam diálogo e atuação consciente do governo, da iniciativa privada, além de intensa e sistemática participação da sociedade civil, todos com as mesmas condições de participação ativa nos processos e ações para o planejamento do desenvolvimento sustentável.

*  Rachel Cavalcanti Stefanuto é economista, com mestrado e doutorado na área de Sustentabilidade. É docente na Universidade de Campinas (Unicamp), nos Institutos de Geociências e de Economia, onde coordena o Curso de Especialização, em nível de pós-graduação, “Gestão da Sustentabilidade e da Responsabilidade Corporativa”. É sócia-diretora da Aram Consultoria em Educação e Gestão para a Sustentabilidade (www.aram.com.br).

** Publicação, organizada pelo Instituto Lina Galvani, aborda o desenvolvimento territorial sob diferentes perspectivas, por meio de artigos ou cases assinados por especialistas e envolvidos com o tema, convidando à continuidade da reflexão. Acesse a versão completa online da publicação.