Por: Lígia R. R. Pimenta*, em “Olhares sobre Desenvolvimento Comunitário – 10 perspectivas do impacto gerado por grandes empreendimentos”**

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A chegada de um grande empreendimento a uma região – seja mineração, hidrelétrica, gasoduto, entre outros – é um processo complexo, relacionado com as diversas fases presentes, entre elas, a da licença ambiental e social, da construção da planta e da operação das atividades, que não pode ser abordado suficientemente de forma exitosa, sustentável, legítima, por uma única instituição, dependendo assim da ação conjunta das empresas, do governo, da sociedade civil, das comunidades e demais stakeholders.

Para responder à complexidade presente, com um público tão heterogêneo e com interesses tão distintos, surge a necessidade da elaboração de uma agenda de desenvolvimento local que contemple tal diversidade e que, a partir de uma análise situacional, promova acordos compartilhados e culmine no Fortalecimento Institucional, Participação e Controle Social, conforme apresentado em metodologia desenvolvida pela Agenda Pública.

Nesse sentido, a empresa tem o papel fundamental de promover uma visão compartilhada dos problemas, tendo em vista que a instalação do empreendimento tem potencial para impactar, simultaneamente, atores e vários aspectos presentes. A clareza dos limites de atuação e papéis a serem desenvolvidos por participante é vital para construção de ambientes de maior compreensão e de participação.

Os temas complexos demandam respostas que considerem a complexidade na sua totalidade. Conforme sugerem Peter Senge, George Roth e Otto Scharmer, devemos considerar os diferentes níveis de complexidade: o Social, com ênfase nos atores e nas partes interessadas; o Dinâmico, com foco na totalidade e não nas partes interessadas; e o nível de complexidade Generativa, que precisa ir além das experiências do passado, aprendendo com o futuro emergente.

Procura-se mostrar que boa parte do sucesso em garantir que os diferentes sistemas, atores e agendas presentes possam atuar em um cenário com potencial de mudança – muitas vezes, tensionado entre diferentes interesses, múltiplas necessidades, motivações e níveis de poder – demanda a interação de forças que se contrapõem e geram impactos em várias dimensões.

As dimensões: pessoal (afetos e identidades), relacional (conquistas, poder e comunicação), cultural (crenças e valores) e estrutural (econômica, institucional, política e legal) deverão ser consideradas de forma articulada e integrada.

As empresas devem lidar com o reflexo que essas mudanças trazem no contexto legal, ambiental, social e institucional e estabelecer relações com a comunidade local. Nesse sentido, ter clareza de sua responsabilidade por alavancar os impactos positivos e mitigar os impactos negativos que têm origem em sua instalação contribui para o estabelecimento de um processo dialógico. Para além disso, perceber-se como ator de uma dinâmica territorial, implica assumir corresponsabilidade pelo desenvolvimento sustentável do sistema de que participa.

Essa capacidade de a empresa contribuir para o desenvolvimento local depende igualmente da atuação do poder público e da sociedade civil, em contextos trissetoriais, com a construção de parcerias e alianças que promovam novas formas de governança pública e corporativa, assim como um aprimoramento nas capacidades sociais e econômicas da comunidade local, em um modelo de gestão integrada.

Os desafios presentes nos contextos dos grandes empreendimentos não são de fácil solução, mas são previsíveis em um universo multifacetado que apresenta diferenças culturais, carência de acesso à informação, conflitos políticos, mitos em relação aos empreendimentos, em que as empresas são vistas como “salvadoras” ou como “ameaçadoras” convivendo com as multivisões sobre a problemática.

O diálogo, bastante presente nas citações da atualidade, com suas capacidades sistêmicas e transformadoras, pode gerar espaços com enorme potencial para atuar em ambientes de complexidade, podendo evidenciar, também, as dimensões intangíveis: emocionais, comunicacionais, culturais e valorativas.

É preciso ter em vista o diálogo para que os problemas sejam enfrentados e as soluções construídas coletivamente. Para que esse diálogo ocorra, os diferentes setores envolvidos devem estar abertos, aptos e dispostos a colocar seus interesses de forma clara e preparados para as divergências e os entendimentos, e principalmente disponíveis a ouvir as outras partes envolvidas. Nesse contexto, o diálogo avança no conceito enraizado de “interação comunicativa” e passa a atuar como dinamizador das relações instituídas no território, garantindo governabilidade, aprendizagem e autonomia.

A presença dos espaços de conversações e a qualidade destes, como produtos e transferências de informações, metodologias e estratégias, geram aprendizagens e a compreensão da identidade dos atores (Lederach). Surgem espaços férteis para estimular a inteligência coletiva e a inovação e para promover o “pensar juntos” e a escuta qualificada e empática, disponíveis para intuir e gerar um futuro em que a sustentabilidade esteja presente.

O diálogo é essencialmente um processo cujo fim é construir confiança e troca de informações transparentes entre vários atores, melhorando as relações e o processo de comunicação entre eles. Com esses componentes, os atores dialogantes se escutam, reconhecem-se como parte de um grupo com preocupações válidas, surgindo assim o início de uma empatia e de uma postura ética.

A partir dessa perspectiva, o diálogo se constitui em uma ferramenta para as organizações que buscam mais do que a transmissão da informação e do conhecimento, mas acreditam na qualidade das relações significativas entre as pessoas que a integram e pensam de forma colaborativa, construindo propostas compartilhadas e negociando sentidos, significados e propósitos de ação com o intuito de produzirem resultados sustentáveis, além da duração das atividades dos empreendimentos.

O diálogo, ao ser instituído como um processo, demanda metodologia de trabalho específica que implica desenvolvimento de competências, conhecimentos, habilidades e atitudes com suporte técnico e que, por sua vez, dependem de processos de formação para promoverem reflexão (disparada a partir de boas perguntas e de escuta qualificada), apropriação da experiência de forma significativa, habilidade para realizar síntese e abertura para novas possibilidades sem prejulgamentos.

Muitas práticas, descritas como dialógicas, não geram a transformação proposta e apresentam conversas sem objetivos claros, e o foco no processo se dá pelos resultados, como acontece em contextos de resolução de conflitos. Baseando-nos no entendimento de diálogo a partir das três dimensões comunicacionais – ferramentas, atitude e processo/interação –, organizam–se os diferentes propósitos:

  • Diálogo democrático: tem foco na dimensão participativa da democracia e contribui para a governabilidade democrática.
  • Diálogo generativo: enfatiza a capacidade de gerar processos de aprendizagem nos atores com respeito aos paradigmas, crenças, valores, posições, interesses e necessidades.
  • Diálogo genuíno: promove o encontro e a abertura para aprender com o outro, com capacidade para remover atitudes e estimular transformações em todos os participantes.
  • Diálogo intercultural: promove a articulação de diversas culturas e a aprendizagem mútua.
  • Diálogo reflexivo: fomenta a reflexão sobre as experiências de forma crítica e com capacidade de gerar novos insights.
  • Diálogo transformador: enfatiza a perspectiva e a intenção de mudança construtiva e sistêmica em multiníveis, abarcando as diversas dimensões aqui apresentadas.

Os diálogos são tratados de forma indiferenciada nas situações de negociação, debate e consulta, gerando confusão entre os sentidos aqui mencionados. Para compreender as diversas manifestações do diálogo, é preciso diferenciar o nível de estruturação, o grau de orientação para o entendimento mútuo e o estabelecimento de acordos.

Podemos estabelecer uma conversa para trocar ideias, compartilhar histórias, sem o propósito de chegar a acordos. Isso pode ser significativo e tratar de uma forma de diálogo que fortalece vínculos e relações.

Quando o diálogo apresenta um momento em que tomamos posição sobre o outro, podemos identificar a situação de discussão. Ao demonstrarmos quem tem razão, escolhendo entre um ou outro, estamos no campo do debate.

Existem, ainda, as Mesas de Diálogos e Desenvolvimento, como a consulta prévia, em que é possível ter espaços para negociação e que demandam entendimentos que aparecem como acordos.

Os diálogos nos contextos aqui apresentados podem ser estruturados em diferentes etapas e formatos, por exemplo, criando espaços compartilhados que precedem os marcos legais do Licenciamento Ambiental.

Fomentar a exploração conjunta do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), com a estruturação de Grupos de Trabalho e especialistas em temáticas pertinentes ao empreendimento; realizar reuniões prévias às audiências públicas que ajudam o empreendedor a identificar as questões e expectativas das comunidades; promover rodadas de conversas que visam aprofundar a compreensão sobre as medidas mitigatórias adotadas; elaborar painéis intersetoriais e promover a capacitação de lideranças locais para a compreensão do papel da sociedade civil na implantação de um empreendimento são exemplos de práticas dialógicas adotadas com sucesso no contexto de ambientes multifacetados.

Para Rodrigo Arce, o diálogo entre diferentes culturas, denominado multicultural, no contexto da diversidade, se dá além das etnias e pode ser reconhecido no contexto dos multiatores (como no caso da mineração), que implica encontrar pontes entre os multifatores tangíveis e intangíveis de cada cultura para gerar significados e motivações comuns que favoreçam o entendimento. Há o intercâmbio de saberes e respeita-se a tomada de decisão de todas as partes envolvidas.

Vários grupos de diálogos com foco na Mineração e no Desenvolvimento Sustentável estão presentes em diversos países e se fortalecem de forma intersetorial, com a presença das empresas, do governo, das comunidades e, timidamente, da sociedade civil. Percebemos na emergência desses grupos o potencial de mudanças que trazem como propósito, o desenvolvimento de ferramenta essencial para o engajamento, o fortalecimento das relações e a necessidade de transparência nesse processo.

Esses atores se reúnem e trabalham coletivamente abordando temas complexos, aumentando a compreensão, conhecendo as perspectivas de outros atores com interesses semelhantes ou diferentes, compartilhando informação relevante, gerando propostas ou recomendações de políticas e avaliando as estratégias de incidência.

O texto aqui apresentado evidencia aspectos que podem contribuir para a construção de cenários que apresentem como desafio planejar ações no presente para enfrentar o futuro emergente, em que o diálogo e a colaboração atuem como alavancas para a mudança, com a participação ativa das pessoas, das relações e das políticas públicas, a partir das experiências significativas e das aprendizagens.

Acreditamos que o melhor alcance de resultados positivos nos municípios impactados por grandes empreendimentos promoverá a sustentabilidade das ações e a capacidade de influenciar, fortalecer, potencializar, qualificar e promover ambientes satisfatórios para todos os atores envolvidos, fatores essenciais para a transformação almejada.

 

* Lígia R. R. Pimenta, doutoranda em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), psicóloga, facilitadora em processos colaborativos, dialógicos, inovadores e sistêmicos no poder público, empresas, terceiro setor, organismos internacionais e universidades. Docente na PUC-SP e consultora na área de
Políticas Públicas, Intersetorialidade, Liderança, Gestão Integrada, Governança e Sustentabilidade. Autora de várias publicações.

** Publicação, organizada pelo Instituto Lina Galvani, aborda o desenvolvimento territorial sob diferentes perspectivas, por meio de artigos ou cases assinados por especialistas e envolvidos com o tema, convidando à continuidade da reflexão. Acesse a versão completa online da publicação.