por Yuri Ongaro*

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À primeira vista, Angico dos Dias pode parecer um simples povoado de um comum rincão do Brasil. Mas só à primeira vista. É quase que indescritível a sensação do visitante quando começam a se desenhar no horizonte da estrada o campo de futebol, a caixa d’água ao longe, as primeiras casas e a árvore que recebe os que chegam ao povoado. Indescritível, sobretudo, para aquele que já conhece as histórias que vêm de lá. E mais ainda àqueles que tardam a voltar, mas voltam a Angico dos Dias.

Saber da história recente deste pedaço do Brasil é conhecer exemplos claros da capacidade de uma comunidade de transformar sua realidade. E se engana aquele que carrega a já obsoleta compreensão de que desenvolvimento é traduzido em grandes prédios, carros do ano e conglomerados urbanos. Sem necessidade de rigor científico, a comparação entre Angico dos Dias e qualquer grande capital nos dá uma boa ideia do que é viver bem.

Surgido no polígono das secas, no extremo da Bahia e já beirando o Piauí, Angico dá exemplos às grandes cidades do que é conviver com recursos naturais. A água, quando muita dá fartura, quando pouca dá trabalho. E por isso, o morador de Angico, e do deslumbrante sertão brasileiro, sabe o valor que a água tem. Também é matéria de se educar às megalópoles modernas o simples hábito de cumprimentar o quase desconhecido, de dizer bom dia ou de lançar um simples aceno. Isto, para nós que quase competimos nas largas ruas das grandes cidades, é inimaginável.

É também razão de lição a humildade e o empenho em se trabalhar nas condições da caatinga. O lavorar sob o ardente sol do sertão, o caminhar pelo chão seco e duro, quilômetros, até chegar no pedacinho de roça. Esse ensinamento vai, especialmente, aos que desconhecem a realidade do próprio país, e criticam programas sociais de emancipação daqueles que sempre foram coadjuvantes de suas vidas na história, apesar de nunca desistirem.

Mas Angico não é pobre. Nem financeiramente, nem socialmente. E a riqueza do povoado não está apenas na geração de renda local, contando com o projeto do qual participei como consultor do ISES – Instituto de Sócio Economia Solidária em parceria com o ILG – Instituto Lina Galvani.

A riqueza do povoado está na conversa com família e vizinhos na rua, sob o iluminado céu baiano, no café na casa de amigos numa tarde tranquila, nos animados festejos que respeitam a tradição e a identidade local, na contação de histórias para crianças na praça, na construção da mesma pela própria comunidade, nas caminhadas, festas e oficinas de saúde com os idosos do povoado, no futebol do campinho, da rua e da calçada, está no dia a dia de um local que segue à letra o significado da palavra comunidade.

Aliás, em tempos de redes sociais, é em Angico que este termo moderno ganha um sentido mais autêntico. A Rede Social de Angico, Peixe e Região reforça e sustenta estas riquezas locais. E através do desenvolvimento endógeno, de dentro para fora, ensina aos que chegam de fora como um aparentemente simples povoado de um comum rincão do Brasil pode ter mais qualidade de vida que nosso moderno mundo de facilidades.

São essas e outras coisas que fazem de Angico dos Dias um lugar especial já à segunda vista. Tive a oportunidade de lá estar por quatro vezes, e ainda assim me sinto atraído em voltar tantas outras. Pela união comunitária, pelo inenarrável céu azul e por razões maiores que só à segunda vista será possível testemunhar.

Yuri Ongaro é psicólogo formado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, há mais de dois anos trabalha com incubação de grupos produtivos de geração de renda junto ao ISES – Instituto de Socioeconomia Solidária. Já atuou com empreendedores nas mais diversas áreas como pescadores, agricultores, doceiras, catadores de materiais recicláveis, artesãos e extrativistas. Trabalhou com os grupos socioprodutivos, AMPARE e Rede Social de Angico dos Dias em parceria com o ILG por quase um ano, entre 2014 e 2015.