Por Margareth Flórez*, em “Olhares sobre Desenvolvimento Comunitário – 10 perspectivas do impacto gerado por grandes empreendimentos”**

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A RedEAmérica1 está integrada por mais de 70 empresas, fundações e institutos de onze países da América Latina.

O seu propósito é expandir e qualificar a ação empresarial para a promoção de comunidades sustentáveis com enfoque no desenvolvimento de base. Essa diversidade de países e membros transforma a Rede em uma lente privilegiada para observar e responder às tendências que estão ocorrendo no setor empresarial.

Nos últimos anos, observamos um processo de transformação na maneira pela qual as empresas estão se envolvendo no desenvolvimento das comunidades e de mutação nos arranjos institucionais que estão sendo criados para atender a esse relacionamento.

Mais especificamente, verificamos a presença de três tendências inter-relacionadas:

  1. As empresas como “atores sociais” estão assumindo de forma mais direta sua responsabilidade com a comunidade.
  2. As fundações e os institutos empresariais estão cada vez mais próximos da empresa e de sua estratégia de responsabilidade social ou de sustentabilidade.
  3. O investimento social privado está cada vez mais ligado à estratégia corporativa.

Para os membros da Rede, a evolução do conceito de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) e de Desenvolvimento Sustentável (DS), o enfoque na criação de valor compartilhado e o fato de que a relação com a comunidade é estratégica para a sustentabilidade da empresa são os elementos que estão impulsionando essas tendências.

Na RedEAmérica, acreditamos também que as empresas estão percebendo cada dia com maior clareza que existe uma relação de interdependência entre empresa e comunidade, estão compreendendo melhor a importância de criar confiança nesse relacionamento e os benefícios gerados.

Esse processo de mudança está produzindo transformações no plano conceitual sobre o que a empresa pode oferecer à comunidade (valor compartilhado), nos argumentos para mostrar o benefício empresarial desse envolvimento ativo, na concepção sobre o papel da empresa e, em consequência, sobre o papel das fundações e dos institutos empresariais.

Sem dúvida, as fundações e os institutos estão cada vez mais próximos da empresa e de sua estratégia de RSE e DS, e o investimento social privado está gradativamente mais ligado à estratégia corporativa.

Quando a empresa assume a responsabilidade pelos impactos e pela contribuição ao desenvolvimento sustentável, o envolvimento com a comunidade torna-se parte da estratégia corporativa, e todas as unidades com algum tipo de relacionamento com a comunidade devem atuar de forma alinhada e articulada. Já não é uma função delegada ao braço social, como tradicionalmente eram chamadas as fundações e os institutos. O braço incorpora- -se ao corpo (empresa) e atua em concordância. Na Colômbia, 47% das fundações estão alinhadas à estratégia da empresa mantenedora, e 22,2%2 daquelas que não estão querem estar no futuro. No Brasil e no México, observa-se uma tendência semelhante. Há vários arranjos institucionais para dar forma ao processo de alinhamento. A Uniethos3 propõe três categorias para analisar esses arranjos:

  1. Separação estratégica e funcional.
  2. Integração estratégica e separação funcional, em que a empresa e a fundação ou o instituto estão alinhados à estratégia, porém separados funcionalmente.
  3. Integração estratégica parcial e separação funcional, em que os fins da fundação ou do instituto atendem à estratégia corporativa e também à sociedade.

Na RedEAmérica há vários exemplos que ilustram essas categorias. No entanto, prevalece uma tendência de integração estratégica, seja total ou parcial, e separação funcional.

Esse processo de alinhamento traz novas oportunidades e também gera desafios sobre o papel das fundações e dos institutos na incorporação de temas sociais dentro da estratégia corporativa, na divisão e complementação de funções com as unidades de negócios, na solução de dilemas relacionados com um bom balanço entre o retorno privado e social nesse novo esquema, entre outros.

A Corporação Financeira Internacional4 (em inglês, IFC) argumenta que o investimento comunitário (IC) alinhado à estratégia corporativa tem um melhor desempenho do que aquele que não está, e menciona:

Quando os programas de IC estão alinhados à estratégia de negócios de uma companhia, é provável que recebam maior apoio interno e recursos da direção e dos acionistas.

  • Quando os programas de IC estão integrados às operações do negócio (e não implementados separadamente), é possível uma coordenação mais efetiva com as demais unidades de negócio para os temas críticos do dia a dia que podem impactar as relações empresa-comunidade.
  • Quando a conexão entre o IC e os objetivos do negócio é compreendida pelos funcionários e pela direção, é possível acionar mais rapidamente as competências principais e os recursos de todo o negócio em benefício das comunidades locais.
  • Quando o IC está orientado para objetivos de negócio específicos, as atividades tendem a estar com melhor enfoque do que quando o propósito não está muito bem definido.
  • Quando o IC tem um claro caso de negócio, o programa torna-se mais resistente a cortes orçamentários (contrariando a filantropia pura e simples, que tende a desaparecer durante os declives econômicos).
  • Quando uma companhia tem clareza sobre as razões pelas quais apoia o IC e sobre o que espera alcançar, os benefícios do investimento podem ser medidos com maior precisão.

Na RedEAmérica, acreditamos também que, quando a fundação ou o instituto estão alinhados à estratégia corporativa, é possível transmitir ao negócio as competências, os conhecimentos e o enfoque de trabalho fundamentado nos princípios do desenvolvimento de base5. É possível que a fundação ou o instituto fertilize e sensibilize integralmente a empresa, e seja fertilizado por ela, gerando resultados mais potentes.

Porém, na RedEAmérica, entendemos que as oportunidades que potencialmente podem ser oferecidas por esse novo esquema de articulação ocorrerão ou não dependendo da estratégia e do desenho institucional que seja adotado para materializar esse alinhamento.

O segredo parece estar em encontrar a medida certa entre separação e integração estratégica, e em expressar essas decisões com clareza e consistência no modelo de governança, nas políticas e procedimentos, nas funções e relações entre as equipes. Parece ser essencial também contar com uma liderança lúcida e catalisadora e com espaços para dialogar, aprender e ajustar a implementação

Não há uma receita sobre um modelo a seguir. Existem muitas possibilidades. Algumas características das experiências positivas de integração são:

  • A empresa entende que é sua a responsabilidade pelos impactos.
  • A fundação ou o instituto não substitui a responsabilidade da empresa, mas contribui, complementa e assessora nesse sentido.
  • A fundação ou o instituto não assume um papel instrumental ou utilitário aos interesses do negócio, ocupa um papel estratégico expressado no modelo de governança.
  • Cada unidade, incluindo a fundação ou o instituto, entende o seu papel na estratégia e a sua contribuição à sustentabilidade do negócio.
  • As unidades de negócio e a fundação ou o instituto conseguem gerar articulações e complementar aportes, competências e ações.
  • O alinhamento do enfoque compromete todos os níveis hierárquicos, do topo à base.

Para encontrar a medida certa entre separação e integração estratégica e funcional, é importante analisar o que se ganha e o que se perde em conjunto e na perspectiva da estratégia corporativa. Um dos aspectos a ser analisado é o delicado equilíbrio entre interesses privados (do negócio) e benefícios coletivos (da sociedade). Bem como o adequado balanço entre o retorno econômico, social, institucional e ambiental, já que nem sempre é possível que as iniciativas gerem valor econômico, pois há momentos em que se precisa gerar valor social estratégico para a sociedade, sem retorno econômico para a empresa no curto e médio prazos. Um processo de total integração do instituto ou fundação à estratégia corporativa também pode limitar processos de contribuição às políticas públicas e à criação de alianças, na medida em que afetem a legitimidade para atuar nesses campos e a confiança de outros com relação aos interesses da fundação, do instituto ou da empresa.

Uma das oportunidades interessantes que o alinhamento com relação à estratégia corporativa oferece é a possibilidade de complementar recursos, competências e ações entre as unidades de negócio e a fundação ou o instituto para o envolvimento com as comunidades. O gráfico 1, a seguir, indica as ações que as empresas ligadas aos membros da Rede realizam em suas fundações e em seus institutos e aquelas que as empresas implementam sozinhas. O resultado mostra uma diferença entre as ações que as empresas realizam quando atuam sozinhas daquelas que realizam com as fundações e os institutos.

grafico-1

No gráfico 2, estão assinalados os desafios que as empresas enfrentam para se envolver com as comunidades. Muitos desses desafios fazem parte das habilidades e dos conhecimentos desenvolvidos pelas equipes de fundações e institutos.

grafico-2

Portanto, o alinhamento da empresa com a fundação ou o instituto abre uma possibilidade para articular recursos, habilidades e conhecimentos, diferentes e complementares, a favor da estratégia corporativa e do desenvolvimento das comunidades, além de obter um maior impacto.

Bons arranjos institucionais são essenciais para ter uma experiência de alinhamento positiva, porém o enfoque de trabalho é igualmente importante para ter resultados satisfatórios no envolvimento da empresa com a comunidade.

Nesse sentido, acreditamos que a empresa deve atuar como parte da comunidade, corresponsável pelo futuro, e assumir o papel de colaboradora para envolver as partes interessadas, promover a autodeterminação das comunidades e o protagonismo local. Deve, ainda, adotar um papel ativo para construir capacidades coletivas entre os atores locais, propiciar vínculos de colaboração, dar voz, criar uma visão compartilhada, com a paciência, estratégia e persistência que esses processos precisam.

Notas

  1. Para mais informações, consultar <www.redeamerica.org>. Acesso em: junho de 2015.
  2. Ver apresentação de resultados da pesquisa em Gestratégica, disponível em: <www.gestrategica.org/templates/listado_recursos. php?id_cl=1&id_rec=850><www.gestrategica.org/templates/listado_recursos.php?id_cl=1&id_rec=850>. Acesso em: junho de 2015.
  3. Ver Uniethos. O papel dos institutos e fundações na atuação socialmente responsável da empresa. São Paulo, 2012, p. 15-29.
  4. Ver International Finance Corporation. Inversión Comunitaria Estratégica. Guía rápida. 2010, p. 10.
  5. O objetivo do Desenvolvimento de Base é apoiar organizações sociais comunitárias enquanto protagonistas do seu próprio desenvolvimento e do destino de suas comunidades. Busca aumentar as capacidades coletivas das organizações e comunidades; melhorar a interação nas organizações de base e entre elas e delas com outros atores públicos e privados, de tal forma que se consolide um ambiente favorável às suas iniciativas e à sua participação permanente nos assuntos públicos.

* Margareth Flórez é arquiteta e urbanista, mestre e especialista em Planejamento do Desenvolvimento Regional. Atua em organizações do setor público, da sociedade civil e do setor privado. Desde maio de 2009 é diretora-executiva da RedEAmérica.

** Publicação, organizada pelo Instituto Lina Galvani, aborda o desenvolvimento territorial sob diferentes perspectivas, por meio de artigos ou cases assinados por especialistas e envolvidos com o tema, convidando à continuidade da reflexão. Acesse a versão completa online da publicação.