Aproveitando os 10 anos de atuação e entendendo essa data como o encerramento de um ciclo e o início de um novo, o Instituto passa a sistematizar e compartilhar suas experiências. Conheça e entenda o trabalho do ILG junto à comunidade de Angico dos Dias. Este é o primeiro dos cases que serão divulgados ao longo de 2013.  

 

Desse lado de cá fica a Bahia, daquele outro já é o Piauí

Levando-se em conta apenas sua localização, Angico dos Dias já poderia pegar emprestado o nome da bonita serra que ali perto se encontra: Confusões. O povoado pertence ao município de Campo Alegre de Lourdes, na Bahia, mas fica a 72 km de sua sede. Em contrapartida, a cidade de Caracol, no Piauí, está a apenas 12 km de Angico, e acaba tendo forte influência na cultura, costumes e preferências dessa comunidade.

A região pertence ao Polígono das Secas e está sujeita a repetidas crises de prolongamento das estiagens, se encontrando em estado avançado de desertificação. A maior parte dos rios é intermitente e poluído, o solo é seco e compacto, o que dificulta o desenvolvimento da principal atividade econômica local, a agricultura.

Investigando a história do povoado detecta-se que o que atraiu a primeira família a se fixar no local – a família Dias – foi exatamente a terra fértil e a disponibilidade de água que ali existia. E os moradores são enfáticos em dizer que “se tiver água e plantarem, ali tudo dá, a terra é boa”.

Em Angico também está localizada a jazida de fosfato mais antiga do Brasil, com 2 bilhões de anos, embora não tenha sido a primeira a ser explorada.

Cerca de trezentas famílias e um pouco mais de mil habitantes vivem, hoje, em Angico dos Dias, sendo que a maior parte deles recebe e sobrevive com subsídios governamentais, como bolsa família, bolsa escola e aposentadoria.

Em 2005, a empresa Galvani iniciou suas atividades na localidade. Com a chegada dela vieram expectativas, medos, alguns incômodos e também benefícios como emprego e as melhorias nas estradas e no abastecimento de energia elétrica.

 

Conhecer primeiro, para depois agir

Em dezembro de 2008, de carona com um espetáculo itinerante patrocinado pela Galvani, o ILG chegou em Angico com o propósito de conhecer aquela comunidade e cada uma daquelas pessoas, para num segundo momento pensarem em construir alguma coisa juntos. Dessa forma, começou a colocar em prática a primeira etapa de sua ação nas comunidades, o diagnóstico participativo.

Norteado pelos princípios da Terapia Comunitária e pela crença de que a comunidade traz o problema, mas também a solução, o levantamento das principais características, inquietações, anseios e potencialidades foi feito por meio de uma roda de conversa com os moradores, denominado, na época, de Café com o Instituto.

O encontro aconteceu na escola estadual, onde se reuniram jovens, crianças, idosos, professores, estudantes, comerciantes, lavradores, representantes do poder público e das empresas locais e todos aqueles que assim o desejaram. De forma descontraída, com música, bom humor, mas sem deixar de lado o respeito e a seriedade do momento, o ILG começou a conhecer de perto aquela comunidade, a se encantar com a sabedoria, alegria, união, vontade de aprender e o potencial latente para fazer acontecer que existia em cada uma daquelas pessoas.

 

 

Juntos somos mais fortes

Depois da primeira, outras rodas vieram. E a comunidade começou a dar um valor especial para aqueles momentos em que paravam para se escutar, entendendo os problemas e buscando juntos as soluções.

“Lá na roda de conversa é para um ouvir o outro, ninguém aconselha não. É só pra gente expressar o que está sentindo, desabafar”, trouxe uma das participantes e já foi complementada por um colega: “A partir do momento em que o ILG começou a fazer as rodas, a gente começou a perceber uma certa união do pessoal. Estão interagindo mais”.

E foi em um desses encontros que veio uma grande questão: a falta de mobilização dos moradores na busca de melhorias para a região. O grupo se conscientizou de que unidos se tornariam mais fortes e surgiu a ideia de criar uma associação de moradores. Foi assim que, em 2009, nasceu a AMPARE, Associação de Moradores de Peixe, Angico e Região.

Tiago Mendes, um dos fundadores da Associação, acredita que esse tipo de mobilização é fundamental para a sobrevivência: “No mundo em que vivemos, onde há grande concorrência e cada vez mais as oportunidades estão ficando menores, é de grande importância a união. E a AMPARE é sinônimo disso.”

Com mais força política, a associação conquistou para o povoado um trator, por meio de um projeto enviado ao Governo do Estado da Bahia. Com esse mesmo ímpeto de vencer, a AMPARE foi proponente de outros dois projetos: a implantação de cisternas para a captação de água da chuva e a instalação de dois Centros Digitais de Cidadania na região.

 

 

O sufoco da D. Minininha

Ediva Alves Bastos, mais conhecida como D. Minininha, tem 69 anos, nasceu, sempre morou e constitui uma família de quatorze filhos no povoado de Angico dos Dias. Desde que o ILG chegou na região, ela sempre participou dos encontros.

E foi numa Roda de Conversa que D. Mininha compartilhou aquilo que estava lhe inquietando: “Quando chove, essa pista que está por aqui e a outra que está por ali, se emendam e vão descer forte na minha porta. É muita água,  tenho medo de dormir e não acordar mais. Tenho medo de morrer afogada! E na época da seca também, entra aquela poeira toda pra dentro de minha casa, quando é de manhãzinha, eu posso escrever o que eu quiser em cima da mesa, que dá pra ler”.

Entendendo que o sufoco da D. Minininha não era somente dela uma reflexão foi proposta: “Quem já passou por algum problema que não conseguiu resolver sozinho e o que fez para solucioná-lo?”

No decorrer da roda, os participantes foram entendendo que se cada um fizesse um pouco, o problema seria solucionado de maneira mais rápida e efetiva. E ali, começaram a se articular para viabilizar o calçamento da principal via do povoado.

Em 2012, com o apoio de parceiros locais, o calçamento foi concluído. As obras contemplaram a pavimentação de dois mil metros quadrados, além de um sistema de drenagem das águas pluviais, com a instalação de tubulações. Com isso, a população resolveu os problemas enfrentados com a lama, erosões e enchentes causadas pelas chuvas, e também amenizou a poeira nos tempos de seca.

E a D. Minininha passou a dormir em paz: “O calçamento veio através de muita luta! Essa luta já era uma vontade antiga da população, que passou a ter força nas Rodas de Conversa com o ILG. As rodas foram crescendo, e foi melhorando. Hoje, a porta da minha casa está calçada. Agora não tenho mais a preocupação de morrer afogada! As meninas ficam até me aperreando, ‘você foi dizer que ia morrer afogada, agora a chuva acabou, fez a oração errada!’ Agora, Deus tem que nos abençoar para que a chuva venha, e quando ela vier, eu estou despreocupada, este problema não tenho mais.”

 

Fazendo a oração certa

Já que no semiárido a população precisa se adaptar aos longos períodos de seca, além das orações para que as chuvas venham, é preciso estar preparada para não sofrer grandes consequências nessa época. A escassez de água foi outro sufoco trazido e debatido nas Rodas de Conversa.

A população se abastecia em uma lagoa, que funcionava como cacimba, mas que também era frequentava por animais. Suas águas tinham qualidade duvidosa, então os moradores deixaram de usá-la e passaram a se abastecer por meio de um poço com água salobra, imprópria para beber e que ainda precisava ser racionada. Toda a água potável que tinham vinha de uma única caixa d’água (poço artesiano) e das poucas cisternas instaladas em algumas casas do povoado, e não era suficiente para as necessidades locais.

Em 2010, resultado da união entre a comunidade, a AMPARE, a Prefeitura Municipal e a Galvani, foi instalada uma nova caixa d’água em Angico, duplicando o fornecimento de água para os moradores – de 30 mil para 60 mil litros.

No final de 2012 mais uma vitória! O projeto enviado ao Governo Estadual para implantação de mais cisternas para captação de água de chuva foi aprovado: 53 novas cisternas foram instaladas e, hoje, mais de 90% da população é abastecida com água potável, diariamente, sem precisar racionar, mesmo em épocas de seca. 

 

 

Rede para pescar, dormir e fazer acontecer

Para que mais moradores fossem envolvidos no processo de busca de melhorias para a região, o ILG realizou uma capacitação para o trabalho em Redes Sociais Solidárias. A partir daí, foi constituída a Rede Social de Angico, Peixe e Região, que reúne representantes e atores locais, tornando-se mais um espaço de participação e diálogo.

A Rede conta, hoje, com 44 membros e possui 6 projetos que estão em andamento. São eles: Construção da Praça São José, Resgate histórico-cultural, Diversão não tem idade, Geração de Renda, Inclusão digital e Adesão à coleta seletiva. Cada projeto está sendo pensando por um grupo de trabalho e, mensalmente, todos eles se reúnem para falarem das conquistas, discutirem dificuldades e trazerem novas ideias.

Para Gilmar Souza, morador de Angico e um dos membros da AMPARE, a palavra rede só o fazia pensar em pescar ou dormir, mas agora ela ganhou uma força maior: “Eu não tinha conhecimento de que podemos resolver vários problemas usando essa relação, esse elo que foi formado. Eu acredito muito na nossa rede que vai nos dar um caminho mais próximo de conseguir as coisas, dividindo as responsabilidades”.

Desde a criação da Rede Social, importantes conquistas foram frutos, direta ou indiretamente, da articulação e do trabalho dessa iniciativa, entre elas, a abertura de uma escola de informática e o início da construção de um centro digital no povoado.

Com isso, as preocupações trazidas pelas professoras Jorene e Rosa Maria na primeira roda de conversa, lá em 2009 – com a qualidade da educação e a dificuldade de acesso à internet – também começam a se dissipar. Agora as crianças e toda a população de Angico passarão a ter acesso irrestrito a tudo que acontece no mundo. Assim, já estão prontas para dar outros passos, como pensar na educação digital. Como sempre, poderão contar com o apoio do ILG e assim começaremos a história de mais uma conquista da comunidade de Angico dos Dias.