Tempo para refletir, estudar, pesquisar, conhecer outros olhares. Um período sabático permite sair da rotina diária de trabalho e viver experiências transformadoras. É a oportunidade de olhar de fora, rever conceitos e voltar com a bagagem repleta de novas visões que, certamente, vão contribuir para a evolução do trabalho que vinha sendo realizado. Foi com esse foco que Cecília Galvani, Diretora Executiva do Instituto Lina Galvani, passou cinco meses participando de cursos e projetos em locais como Cuba, Chile e uma aldeia indígena no Acre. Na entrevista deste mês, conversamos com ela sobre as experiências que viveu e os ensinamentos que coletou para aprimorar o trabalho no ILG:

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Como foram as atividades que você fez nesse período?
Primeiramente passei um período em Havana, Cuba, visitando o CIPS (Centro de Investigações Psicológicas e Sociológicas), no qual são feitas pesquisas no campo social e organizacional. Fui conhecer as iniciativas e projetos e, especificamente, fazer uma formação com Patrícia Arenas, ex-professora da Universidade de Havana e uma das fundadoras do CIPS. Ela tem um grupo que estuda a Investigação Apreciativa, uma ferramenta muito interessante de planejamento participativo e organizacional de comunidades em diferentes instâncias, numa perspectiva apreciativa – por conta disso o nome.
Nessa metodologia, ao invés de você buscar os problemas para encontrar as soluções, volta-se o olhar para o núcleo positivo das organizações ou comunidades, como as competências, as habilidades e as características que dão potência a elas. Então, é feito o trabalho de planejamento a partir dessa perspectiva. Isso muda tudo! Muito mais potente do que ficar olhando para o que falta e o que não tem, por exemplo, é partir desse olhar apreciativo, cuja investigação levanta perguntas que ampliam a visão e as possibilidades daquela comunidade ou organização.
Além da formação nessa prática, fiz também um projeto com a Cenesex (Centro Nacional de Educación Sexual), uma organização de ponta no trabalho junto às políticas de saúde e de educação sexual em Cuba. O Centro comanda o Línea de Apoyo, uma rede voluntária de apoio a soropositivos e seus familiares. É um trabalho incrível que contribuiu, inclusive, para tornar Cuba o primeiro país a mitigar a transmissão de HIV via mãe/bebê. No projeto com eles, utilizei a ferramenta da Investigação Apreciativa e também tive a oportunidade de participar de seminários e de conhecer mais essa área organizacional, que é muito atuante.

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Qual efeito transformador teve sua estada em Cuba?
Na verdade é minha terceira vez no país, mas todas elas trouxeram uma vivência muito forte. Passar uma temporada em Cuba nos faz ter um olhar mais apurado para o que é essencial na vida. Vemos a essência das coisas muito mais do que a forma, porque eles têm uma realidade restrita em diversas perspectivas, mas também muito abundante em outras. Essa realidade ajuda a buscar resultados de outras formas, e mais: muda nossa visão sobre o que é, realmente, resultado. Fora que é um lugar que está vivendo um momento muito peculiar, com uma situação socioeconômica particular, a abertura do país e uma série de questões que estão sendo colocadas para eles, como as formas de manter o legado da revolução num sistema econômico diferente do qual estavam vivendo. Eu participei de várias conferências que trataram desse momento de Cuba.

Que outras experiências você teve durante o período sabático?
Depois de Cuba, fiz um curso de verão com o neurobiólogo chileno Humberto Maturana, um dos “papas” do pensamento sistêmico e propositor da biologia cultural e que, inclusive, já foi indicado para o Prêmio Nobel. No curso “Conversações Colaborativas – Fundamentos para a Transformação Cultural”, ele passa os conceitos que desenvolveu, relacionando os sistemas da natureza com os sistemas humanos e nos ensina como podemos aprender com eles e transpor isso para a nossa prática e nossa vida. Algo muito interessante que ele colocou é que somos naturalmente seres colaborativos: quanto mais trouxermos a colaboração para o nosso dia a dia, melhores serão os resultados.

O que mais te marcou nesse curso?
Creio que essa questão de sermos seres essencialmente colaborativos. Discutimos sobre como a gente consegue resgatar a prática da colaboração e propor uma mudança cultural a partir disso – uma postura muito mais efetiva e que traz melhores resultados. É interessante avaliar como a gente precisa desconstruir-se para construir uma perspectiva nesse sentido, porque, afinal, somos “treinados” de uma outra maneira. É preciso reavivar essa natureza humana colaborativa de uma maneira geral.

Havana, Cuba. Foto: Cecília Galvani.

Havana, Cuba. Foto: Cecília Galvani.

Quais ensinamentos desse período podem ser aplicados no Instituto e de que forma?
Acredito que a Investigação Apreciativa deve compor nossa metodologia de atuação. É uma ferramenta muito poderosa e pode nos ajudar muito no trabalho com as comunidades, de planejamento participativo, de diagnóstico, e na identificação para onde queremos ir e como pretendemos fazer. Adotar a Investigação Apreciativa na prática do Instituto é algo que quero fazer e faz muito sentido não apenas no nosso trabalho para as comunidades, como também internamente, como ferramenta de planejamento.
Com relação ao aprendizado no curso realizado com Humberto Maturana, acredito que a colaboração já faz parte do DNA do Instituto, no sentido de trabalhar e transformar em conjunto. Podemos aperfeiçoar esse princípio e esta minha busca que já vem desde 2014, quando iniciei uma formação em Práticas Colaborativas e Dialógicas junto ao Taos Institute. Pretendo utilizar o pensamento colaborativo não apenas nos projetos com as comunidades, mas interiorizá-lo e desenvolver competências nesse sentido, no trabalho com os nossos pares, equipe, empresa e parceiros.

Qual a importância das experiências que viveu nesse período?
Quando você tem a oportunidade de sair e ampliar as perspectivas, necessariamente volta diferente. Traz um outro olhar que contribui para a evolução do trabalho realizado e o aprimoramento da nossa metodologia, uma constante na história do Instituto. Tive a chance de conhecer novas ferramentas, ampliar os olhares e, inclusive, realizar um sonho. Na volta ao Brasil, a convite da empresa Turismo Consciente, apliquei os princípios da Investigação Apreciativa facilitando um processo de estruturação do plano de visitação nas aldeias indígenas Yawanawá, num projeto relacionado ao etnoturismo. Foi incrível. Só tenho a agradecer aos membros do Instituto Lina Galvani, à Galvani e a toda a equipe pelo apoio e suporte durante esse período. Sem eles nada disso seria possível!

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