Ela recebeu uma missão há 14 anos: comandar o Instituto Lina Galvani tendo como inspiração os valores que a sua avó sempre pregou para a família e todos que cercam a matriarca. Nesse período, foram incontáveis aprendizados e experiências transformadoras – tanto para ela quanto para as milhares de pessoas impactadas pelos projetos do Instituto. Com um importante legado construído nesse período, como a Metodologia de Desenvolvimento Comunitário, Cecília Galvani deixa a direção executiva do Instituto e assume um posto no Conselho Administrativo.
Antes de passar o bastão para Ricardo Rodrigues Mastroti, no próximo dia 8 de janeiro, Cecília conversou com a gente sobre sua trajetória à frente do Instituto e as realizações, memórias e conquistas:
ORIGEM DO INSTITUTO
“A missão que me foi dada no início do Instituto foi fazer nas comunidades o que minha avó, Dona Lina, faria. Essa demanda veio como uma grande responsabilidade e precisou de uma tradução dos valores e do exemplo de vida dela para a prática na ponta, nos territórios. Ao longo do tempo, acho que amadurecemos essa ideia, muito por meio de questionamentos constantes como ‘o que significa, realmente, contribuir para o desenvolvimento comunitário?’. Aos poucos, fomos entendendo o que é impacto direto e indireto e como é importante ter um entendimento claro do que isso significa e como funciona em cada território.”
PROJETO PIONEIRO
“O primeiro projeto que desenvolvemos desde a concepção até a execução foi na comunidade do Jaguaré, em São Paulo, e acabou se tornando o Programa SERvindo. Foi um projeto que ensinou muito para a gente, em todos os sentidos, com relação a propósito, formação e entendimento de que, na verdade, a capacitação técnica é um veículo para se trabalhar uma série de outras coisas, como a inserção social. O SERvindo nos trouxe a reflexão de que a estratégia do desenvolvimento comunitário era a mais efetiva para trabalhar o fortalecimento e a autonomia das comunidades. Mostrou para o Instituto que devemos começar desde o princípio junto com os moradores e não chegar com uma proposta pronta para implantar.
Esse projeto também apresentou o primeiro desafio de trabalhar com outras organizações, algo não muito presente naquele momento. Tivemos que nos estruturar e conseguimos fazer lindas parcerias nessa época com outros institutos empresariais. Fomos somando vários esforços e evoluindo no sentido de não dar apenas a capacitação técnica, mas também para a vida. O SERvindo nos ajudou a desenvolver esse olhar mais integral.”
PRINCIPAL DESAFIO
“Foram muitos os momentos nos quais me senti desafiada. Recordo, especialmente, o período de mudança da estrutura de gestão da empresa Galvani, por volta de 2008, quando veio uma nova equipe do mercado e trouxe alguns questionamentos sobre o Instituto. Isso fez com que buscássemos mais informações sobre o relacionamento entre institutos e empresas, sustentabilidade e responsabilidade social. O processo culminou com a criação da área de sustentabilidade na Galvani.”
DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO
“Considero uma etapa significativa o momento, em meados de 2008, que começamos a estruturar em linhas gerais o que seria a metodologia do Instituto, com a visão de construir junto com a comunidade desde o começo. A necessidade do Diagnóstico Participativo inicial, depois a construção de parcerias e o apoio às iniciativas locais. A partir daí, já começamos com esse formato nos novos territórios. Também foi nesse momento que escolhemos o uso da Terapia Comunitária como ferramenta de construção de redes e de relacionamento com as comunidades. Era uma formação que eu vinha tendo e trouxe mais fortemente para dentro do Instituto como uma estratégia de atuação, ressaltando a importância da escuta.”
NO CAMINHO CERTO
“Quando senti que estávamos no rumo certo com relação ao desenvolvimento comunitário? Acredito que foi durante a primeira roda de avaliação que fizemos depois de formatar a metodologia e encarar o desafio de desenvolver os indicadores de avaliação. Nessa conversa com a comunidade, em 2014, me dei conta de que os moradores de Angico dos Dias tinham mudado de referencial. Agora, viam a empresa Galvani como mais um ator da localidade, um parceiro, mas que a comunidade em si e o território vão muito além dela e podem construir seus projetos. A comunidade passa de um papel passivo para o de protagonista!
Lembro do depoimento de uma participante que foi para um cidade próxima fazer faculdade de Assistência Social e, conforme o decorrer do curso, ela se deu conta de todo o aprendizado que havia tido com a Rede Social de Angico, Peixes e Região e o trabalho realizado junto com o Instituto. Ela descobriu que já tinha muita bagagem, experiências e ferramentas para aportar ao curso e, inclusive, servia de exemplo e inspirava iniciativas em outros lugares e territórios. Era Angico dos Dias saindo do interior da Bahia, na divisa com o Piauí, para o centro do mapa no sentido de protagonizar, ocupar espaço, ter voz, dar exemplo.”
APRENDIZADO PESSOAL
“Creio que o aprendizado mais importante é saber que tudo está em constante movimento. Que, às vezes, achamos que sabemos o que é melhor para o outro, mas precisamos tomar muito cuidado e ter uma capacidade de escuta e de diálogo apurada para conseguir, realmente, ordenar e animar esse processo de desenvolvimento do território. É um exercício constante de ação e reflexão que deve ser feito.”
FORMADOR DE OPINIÕES
“Considero um momento super importante para o Instituto o da realização do 1º Encontro Sobre Comunidades Impactadas por Grandes Empreendimento, em 2013, ano que completamos a primeira década de vida. Ele foi fruto desse processo de ação e reflexão. Significou a gente refletindo sobre nossa prática, nos deparando com desafios e buscando ajuda e parceiros para pensar em conjunto. O Encontro ampliou o aspecto interno: era o Instituto transbordando para fora dos seus muros. Foi um momento também de construção de uma rede de relacionamento no setor, com atores pares, empresas, institutos, organizações e lideranças. Todos com o pensamento de refletir juntos para melhorar nossas práticas, tornando-as mais efetivas, importantes, estratégicas e sustentáveis.”
CONFIANÇA
“Quando senti que conquistamos a confiança das comunidades? Olha, o conceito de confiança – em si, no outro e no coletivo – transparece mais nas ações práticas e coletivas, como os mutirões e as feiras. Nos momentos de colocar a mão na massa, de ter o senso coletivo, de fazer junto, do ‘a gente consegue’. Essas ações têm uma força muito grande e são as horas de maior emoção, tanto para a gente quanto para a comunidade. Mas confiança é algo dinâmico, não estático. Um grande aprendizado que levo é a importância da transparência para conquistar a confiança nos territórios. Transparência nas comunicações, no acesso às informações, na prestação de contas, na consciência de direitos e deveres, nas normas que regem as relações. É algo que a gente precisa ficar muito atento. Ao longo do processo, percebemos que trabalhávamos essas questões, mas não, necessariamente, aplicávamos da maneira que era preciso. Então, passamos a fazer encontros de avaliação não apenas dos indicadores do Instituto, mas também de prestação de contas, colocando cada vez mais recursos diretos nos projetos e compartilhando a responsabilidade pela transparência com as comunidades.”
PROJETOS
É difícil escolher entre tantos projetos aqueles que têm um lugar especial para mim, mas tenho muito orgulho do Parque Fioravante Galvani (BA), que foi uma iniciativa que gestamos e que, agora, está seguindo independente. É um projeto muito bonito e forte, com uma missão importante, calcada na educação ambiental e na relação dela com uma agricultura sustentável. Outro projeto que destacaria é o da Rede Social de Angico, Peixes e Região, porque demonstra na prática a força do fazer junto que tanto pregamos. A Rede traz muito forte essa lição e deu a certeza do caminho para a gente.
MEU CAMINHO
A trajetória do Instituto Lina Galvani e a minha se confundem em diversos momentos. Muito do que aprendi nesses anos apliquei no Instituto. Da mesma forma, o Instituto foi retroalimentando os meus aprendizados e incentivando a busca por conhecimento. Hoje, tenho muita clareza e certeza de que o diálogo e a colaboração são o melhor caminho, as melhores opções e estratégias. O Instituto me ensinou isso e a vida também vem me ensinando. A prática te impele a buscar essa coerência entre o que você fala e o que você faz. Isso vale tanto nas comunidades quanto da porta para dentro – e também para dentro de si mesmo! Eu sou muito grata por ter tido esse espaço, essa confiança, essa oportunidade de desenvolver e colocar em prática ideias e sonhos.
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