Um espaço onde todos contribuem com seus talentos, experiências e conhecimentos. Um lugar onde professores, estudantes e comunidade trabalham juntos pela melhoria do ensino. Assim deveriam ser as escolas, mas, na realidade atual, o sistema educacional tem se distanciado desse modelo ideal. Para contribuir na mudança dessa realidade, o Instituto Natura trouxe e adaptou para o Brasil o projeto Comunidade de Aprendizagem (veja mais nessa reportagem). Ele já está presente em 178 escolas do país e, desde 2015, vem sendo desenvolvido em seis centros de ensino no município de Serra do Salitre, em Minas Gerais, com o apoio do Instituto Lina Galvani e da Secretaria de Educação. As etapas iniciais foram desenvolvidas nas escolas e, agora, é o importante momento de implementação das atividades. Na entrevista desse mês, conversamos com Fernanda Pinho, coordenadora do Comunidade de Aprendizagem, sobre o projeto e as transformações que ele possibilita.

Fernanda - INQuais os diferenciais do Comunidade de Aprendizagem?
O projeto tem como foco ampliar e qualificar os espaços de interação dentro da escola e incentivar a participação da comunidade. É uma participação diferente daquela mais trivial que nós estamos acostumados a ver, na qual a escola informa coisas ou consulta as famílias, mas, na verdade, quem toma a decisão é a instituição. O Comunidade de Aprendizagem convoca a escola a abrir outros espaços de participação, para que a comunidade possa fazer parte dos momentos de aprendizagem dos estudantes, tomar decisões com relação aos rumos da escola – decidir, por exemplo, uma reforma que precise ser feita ou a mudança de material didático -, e estar envolvida nos processos de avaliação da qualidade de educação que é oferecida.
Cria-se um maior diálogo entre os diferentes atores da escola, além de mais espaços de participação e de interação. E isso traz uma melhora significativa tanto na aprendizagem dos estudantes como na convivência no ambiente de ensino. A escola passa a ser um lugar que é de todos e que as pessoas vêm sentido em estar ali. Um lugar onde os estudantes podem ser ouvidos e os familiares podem trazer seus pontos de vista das situações. Resumindo: é humanizar as relações dentro da escola.

Como vocês chegaram a essa forma de atuação?
Quando foi fundado, há cerca de 5 anos, o Instituto Natura, estabeleceu a visão de formar cidadãos para participarem de uma comunidade de aprendizagem e definiu o escopo de investir na educação pública regular. Só que o termo “comunidade de aprendizagem” é muito utilizado e há maneiras diversas de compreendê-lo. Então, o Instituto foi atrás de universidades e pesquisadores que estudavam esse tema, até que chegamos ao projeto Comunidade de Aprendizagem criado dentro da Universidade de Barcelona, na Espanha.
De alguma forma, ele materializava para dentro da escola a visão que a gente tinha: a criação do sentimento de corresponsabilização. Todos nós da sociedade somos responsáveis pela transformação na educação e a transformação social que todo mundo quer. Não adianta responsabilizar só os professores ou os alunos, porque um ator sozinho não vai conseguir. Temos que envolver a secretaria de educação, a família, os estudantes, os funcionários, os professores. É uma construção coletiva e demanda a participação, o envolvimento e o compromisso de todo mundo.

Em entrevistas anteriores que fizemos sobre o tema ao Frutos, dava para sentir um sentimento de “redescoberta” da escola por parte dos pais. Isso é comum em todas as escolas que vocês atuam?
Lembro da fala de uma mãe em São Bernardo do Campo, logo que começamos o projeto, que ficou muito marcada. Ela disse que descobriu que tinha que sair do lugar da cobrança e se colocar no lugar de quem sonha junto. E é essa ideia! Quando você pergunta para uma escola se ela acha importante a comunidade participar, a resposta vai ser “sim”. Se você pergunta para uma mãe, um pai ou uma avó se é importante participar, eles também vão dizer “sim”. Porém, o desafio é que ninguém sabe como fazer isso! Não é simples, porque tem uma questão histórica por traz. Há uma situação muito conflitiva atualmente entre família e escola, na qual uma fica jogando a responsabilidade para a outra. Então, o Comunidade de Aprendizagem mostra como eles podem atuar juntos e oferece ferramentas e caminhos. É interessante porque vemos que muitos nós somos desatados com a conversa, o diálogo. Tem que sentar todo mundo numa mesa e conversar! O projeto dá as chaves que abrem portas, sai da teoria e propõe o “como fazer”.

Em que momento o Comunidade de Aprendizagem está em Serra do Salitre?
Estamos em um momento no qual toda a equipe pedagógica já passou pela formação inicial e o processo de transformação, que são etapas que as escolas passam ao longo de cerca de três meses. São os momentos de toda a comunidade sentar junto e pensar em um plano de ação para transformar aspectos da escola que desejam mudar. Depois disso, vem a fase de implementar as práticas nas escolas, e é nessa etapa que estamos em Serra do Salitre. No município há um trabalho muito forte com as tertúlias, que são rodas de leitura dos clássicos. Também tivemos duas pessoas da Secretaria de Educação que, no ano passado, fizeram o curso de certificação de formadores em Comunidade de Aprendizagem, oferecido pelo Instituto Natura, com duração de 180 horas, em parceria com as universidades de Barcelona e Federal de São Carlos. Agora, elas nos apoiam na implementação do projeto da localidade.