Não peça para a Dona Marilene, de 58 anos, moradora da Vila 2, em Luís Eduardo Magalhães, escolher qual das árvores do Cerrado ela gosta mais. Sua devoção pelas plantas da região torna a tarefa de eleger apenas uma em algo impossível. Rapidamente, passa a discorrer sobre as belezas de cada espécie – seja a linda flor do pau-santo, o porte da aroeira, a semente roxa do jacarandá ou o encanto do jatobá. “Não tem como dizer uma, meu filho, cada árvore me espanta com sua beleza natural diferente”, finaliza a discussão. Essa paranaense de coração baiano – como se autodenomina – sempre teve admiração pela natureza, mas foi num período recente que passou a conhecer profundamente cada detalhe do Cerrado. A mudança aconteceu quando entrou para a Rede de Coletores de Sementes do Oeste da Bahia, em 2011. Logo se encantou pela tarefa de identificar as árvores. Não parou por aí. Dona Marilene também descobriu a vocação de motivar outras pessoas a participar da coleta e ensiná-las, tanto que foi nomeada este ano pela Secretaria de Meio Ambiente de LEM como a coordenadora geral da Rede de Coletores, com a função de dar continuidade ao projeto iniciado pela Campanha LEM APP 100% Legal, que encerrou em abril (veja reportagem aqui). Nesse bate-papo, ela conta como conheceu o projeto, fala da importância da Rede para a região e antecede quais seus próximos passos como coordenadora – só não revela, de jeito nenhum, qual a sua árvore preferida no Cerrado.

D. Marilene - jun/2013

Como a senhora se envolveu na Rede de Coletores?
Quem participou primeiro do treinamento foi o meu marido. Mas como sou muito curiosa, também queria me envolver com a colheita de sementes e ajudar no projeto. Então comecei a conhecer as espécies e a participar. Depois de um tempo, coletava as sementes para mim e também as repassava para outras pessoas, para incentivá-las. Era uma forma de aumentar a participação, pois para receber os recursos da venda elas tinham que fazer o cadastro. E quando o pessoal novo entrava na Rede, eu fazia questão de levá-los a campo para mostrar as árvores e ensinar. Quando a gente foi para o segundo treinamento, a Vila 2 já me elegeu uma das coordenadoras. Olha, posso dizer que apostei tudo nas sementes. E fiquei muito contente em ver nosso trabalho ganhando destaque nacional em programas como o Globo Ecologia, o Globo Rural e no Canal Rural. O Brasil todo passou a conhecer o que fizemos aqui!

Na sua opinião, quais as principais mudanças que o projeto trouxe para a comunidade?
Tem, é claro, a importância financeira, pelo dinheiro que se ganha com a venda das sementes. Mas o que realmente não tem preço é o aumento da consciência com relação à preservação do meio ambiente. Antes, aqui se desmatava muito, hoje não. O pensamento é: “como vou desmatar o local de onde estou tirando meu sustento?” Acho que esse é o ponto-chave: a consciência que o pessoal adquiriu. Todos viram que com esse trabalho poderiam complementar a renda, fazendo da maneira correta. Por exemplo: sabem que se quebram um galho ao invés de fazer a coleta no chão, mais adiante pode ser pior. Já é sabido que se deve deixar a semente nas árvores para se reproduzirem sem a interferência do homem, mantendo a natureza intacta.

Que outros benefícios a senhora constatou?
Acredito que a semente veio para somar. As pessoas tomaram a consciência que têm que aprender a andar com as próprias pernas, o que é muito bom. Além disso, antes era cada um por si e Deus por todos e, hoje, somos como uma família. Todos se ajudam, ensinam uns aos outros. Se eu estiver doente e não puder ir para a mata, por exemplo, um colega vai ter a consciência de colher também para quem não está lá. Agora as pessoas se conhecem pelo nome e, realmente, podemos nos chamar de comunidade. Tem também a questão da valorização: não chamam mais a gente de assentados, somos pequenos agricultores. 

Como a senhora viu a atuação do Parque Fioravante Galvani nesse processo?
Não fossem os ensinamentos que tivemos no Parque, eu garanto que não tínhamos chegado a lugar nenhum. Porque uma coisa é quando você vê as árvores na televisão, por exemplo, mas  pessoalmente é outra. Ali, podemos conhecer de perto a flor, a árvore, a madeira, a semente. Todas as espécies em todas as suas etapas e épocas do ano. E isso é muito importante para identificar a semente depois. Hoje a gente olha uma árvore e a conhece, sabe o que cada uma traz de melhor, como os óleos medicinais que algumas geram. Além disso, é bonito de ver como as crianças também se envolvem! Elas são apaixonadas pelos animais do Parque – especialmente a Mel, a lobo-guará. E nas atividades realizadas no PFG e nas escolas, conhecem a importância de preservar o Cerrado e os bichos. Tivemos até casos de pais que se cadastraram na Rede motivados pelos filhos. As crianças estão envolvidas até a raiz!

O que a senhora pretende realizar como coordenadora geral da Rede de Coletores?
Graças à coleta de sementes nossa renda melhorou. Por isso, quero que cada comunidade tenha a sua associação. Desejo levar a nossa experiência para outros lugares, expandir, compartilhar as informações que nós recebemos. Além disso, na Vila 2 quero criar um Clube de Mães, para desenvolver os talentos da comunidade, aproveitar o que cada um tem de melhor. Aqui há pessoas com muito talento que criam com matéria-prima do Cerrado: fazem artesanato com sementes, brincos de buriti, colares, peças de capim-dourado. Então é algo bonito, que pode melhorar a renda e que também valoriza a cultura e os elementos locais. E sempre prosseguindo com o projeto da coleta de sementes, claro. Meu sonho é vender sementes para o Brasil e, por quê não, para o mundo!