Você já ouviu o termo “pessoas bonsai”? Ele foi cunhado pelo economista bengali Muhammad Yunus. Na sua visão, as bonsai people são as pessoas que se encontram na base da pirâmide e que, podadas por uma série de limitações econômicas e sociais, ficam impedidas de crescer – assim como a pequena árvore da cultura oriental – e mudar aquele cenário de pobreza ao qual estão predestinados.

No final da década de 1970, Yunus inicia um revolucionário programa de microcrédito para as comunidades carentes do país asiático Bangladesh. Dessa semente, que impactou milhões de pessoas e lhe garantiu o Nobel da Paz em 2006, surgiram uma série de outros empreendimentos para liberar as “pessoas bonsai” de outros limitadores sociais.

A história de Yunus se cruza com a Ricardo Mastroti, o novo diretor executivo do Instituto Lina Galvani, no evento Rio+20, em 2012. “Ouvi dele essa história e o modelo de Negócios Sociais que usa a lógica empresarial para resolver problemas sociais. Para mim fez todo o sentido. Foi minha entrada definitiva no mundo dos chamados Negócios de Impacto, também conhecido como Setor 2.5 (dois e meio)”, conta.

Muhammad Yunus e Ricardo na Rio+20, em 2012.

Formado em Biologia e mestre em Oceanografia Biológica, ambos pela Universidade de São Paulo (USP), Ricardo já havia passado por cargos executivos nas áreas de meio ambiente e sustentabilidade em grandes multinacionais, como Procter & Gamble, Aracruz Celulose, InterCement e Grupo Camargo Corrêa. Depois do encontro marcante na Rio+20, ele decide sair do mundo corporativo e ajuda a trazer a iniciativa de Yunus para o Brasil. Nessa época, também se aprofunda, nos Estados Unidos, na biomimética, uma ciência nova que busca a inovação inspirada em soluções que já existem na natureza. Toda essa experiência culmina com a fundação, em 2014, da Bemtevi, um fundo de investimento em Negócios Sociais.

Desde janeiro, uma nova etapa começou para Ricardo. Paralelamente à gestão estratégica da Bemtevi, que comanda com mais dois sócios, ele assumiu a direção executiva do Instituto Lina Galvani como a missão de trazer contribuições para dar continuidade e aprimorar o trabalho que vem sendo realizado há 15 anos. Na entrevista desse mês, Ricardo fala sobre esse desafio, os Negócios de Impacto e os ensinamentos de Yunus que também podem ser aplicados nas comunidades brasileiras.

O que te levou a assumir o desafio de dirigir o Instituto?

O que me atraiu e chama muito a atenção é a metodologia do Instituto. Humanizada, muito focada nas pessoas, na comunidade, na entrada nos territórios de uma forma respeitosa e cuidadosa, buscando entender os anseios e conhecer as competências locais. Ao longo desses 15 anos, o Instituto teve a oportunidade de criar uma metodologia capaz de promover o desenvolvimento comunitário que é muito genuína, à frente do seu tempo. Você vê que são poucos os institutos que conseguem ter uma abordagem assim, não só cuidadosa e respeitosa, mas eficiente, com projetos que estão, realmente, empoderando as comunidades para elas andarem sozinhas – e não com um viés puramente assistencialista no qual, de alguma forma, nunca se quebra o ciclo “do que ajuda” e “do que é ajudado”. Aqui, o pensamento é: como ajudar as pessoas para que não precisem mais serem ajudadas.

Essa tecnologia social que promove o empoderamento e autossuficiência na comunidade é o “ouro” do Instituto. É uma forma muito eficiente e apropriada de agregar valor para a empresa, pois identifica e prepara o território, apoiando na superação dos desafios sociais que a empresa encontra ao iniciar e manter operações em localidades, muitas vezes carentes, onde a comunidade ainda não tem a articulação necessária para caminhar sozinha. O desafio é alinhar as agendas e ações para que a empresa possa extrair o melhor desse “ouro” que o Instituto oferece.

De que forma sua experiência profissional aporta ao Instituto?

Acho que são dois pontos principais. O primeiro diz respeito à relação do Instituto com a empresa Galvani. Meus 16 anos de experiência corporativa, ajudam-me a entender o funcionamento e a lógica empresarial, o processo de tomada de decisões e como deve ser uma agenda estratégica de sustentabilidade. Acredito que essa bagagem empresarial e o networking que construí ao longo dessa jornada podem ajudar bastante a extrair o melhor dessa relação entre Instituto e Empresa, aumentando assim as sinergias, capturando oportunidades e ajudando na gestão de riscos operacionais.

O outro ponto está relacionado ao Ecossistema de Impacto, às tendências observadas nos institutos e fundações que hoje buscam interagir mais com o setor de Negócios de Impacto. Acabei me envolvendo com uma área bastante inovadora desse setor, os Negócios Sociais, um modelo desenvolvido pelo Prêmio Nobel Muhammad Yunus, no qual empreendimentos geram impacto social e, ao mesmo tempo, tem resultado financeiro positivo, assegurando a perenidade e escalabilidade do impacto por meio do reinvestimento de 100% dos lucros. A ideia é juntar um pouco da bagagem corporativa com a experiência em Negócios Sociais e ver como podemos extrair o máximo de valor desse trabalho que o Instituto vem disponibilizando há 15 anos.

Ricardo e Dona Lina Galvani

O que os Negócios de Impacto podem trazer para os institutos e fundações?

Olhando para o Ecossistema de Impacto como um todo, vemos os institutos e fundações em geral ainda operando com muitas amarras e com uma atuação que pouco ou nada interage com os chamados Negócios de Impacto.

Acredito que a complexidade dos desafios sociais que enfrentamos hoje nos convida a atuar em rede rompendo com as “caixinhas”. E atuar em rede está no DNA do Instituto. Não é porque uma entidade é do Terceiro Setor que não pode fazer um investimento em Negócios de Impacto. O desafio é transitar entre as “caixinhas”, sair do “cada um no seu quadrado” para o “tudo junto e misturado”. Está na hora da gente buscar soluções conjuntas, mais sinérgicas.

Não existe um modelo melhor que outro, o que existe são modelos mais adequados para cada desafio e, nesse sentido, atores que usam diferentes modelos ampliam muito seu poder transformador ao atuarem conjuntamente. O Instituto Lina Galvani está muito bem posicionado para exercer um papel de liderança nesse sentido. Temos um tamanho e um dinamismo que nos permite testar com mais agilidade novos modelos, aprender rápido e, assim, servir de inspiração para outros institutos e fundações que ensaiam sua aproximação com os Negócios de Impacto mas não têm a nossa agilidade. Além disso, a atuação em rede faz parte da história do Instituto, o que só nos favorece para exercer esse papel de liderança nos posicionando como um ator inovador no Ecossistema.

Quais as principais mudanças que você destacaria na área de sustentabilidade nas últimas décadas?

Até o final do século passado, não se falava em sustentabilidade. Os primeiros movimentos que vimos são das décadas de 1960 e 1970, ligados ao chamado ativismo ambiental e que deram origem a várias ONGs (Organização Não Governamental). Essa primeira fase foi a do contraponto: as ONGs contra as empresas. Com o tempo, a visão de sustentabilidade foi surgindo, evoluindo e entrando da agenda das empresas e dos fóruns empresariais, mas demorou algum tempo ainda para o social realmente fazer parte dessa agenda.

Acredito que, hoje, a sustentabilidade já está genuinamente inserida em muitas organizações e fica fácil diferenciar as empresas que têm sustentabilidade como parte da sua visão estratégica das que veem na sustentabilidade apenas uma ferramenta de comunicação para posicionamento de marca. As empresas de ponta perceberam a ligação da sustentabilidade com o negócio, isto é, com a gestão de riscos, com a captura de oportunidades e, ao inseri-la em sua estratégia, conseguem de fato agregar valor para o negócio.

Segundo Laurence Fink, CEO (Chefe Executivo de Ofício) da BlackRock, a maior gestora de investimentos do mundo, “para prosperar ao longo do tempo, toda empresa deve não só entregar performance financeira, mas também demonstrar como ela dá uma contribuição positiva para a sociedade”. E quando ouvimos uma frase como esta vinda, não só de um ativista, mas de um diretor de uma grande empresa, me parece, de fato, a sustentabilidade entrou na agenda das empresas e que, agora, é uma questão de tempo até que o mercado e a sociedade façam o processo de “seleção natural” para separar o joio do trigo.

Ricardo e Yunus durante um congresso em Viena, na Áustria, em novembro de 2012

Sustentabilidade não é mais algo desejável, bonito para se mostrar, é atualmente uma escolha estratégica que não consigo ver mais como dissociada de qualquer estratégia que se pretenda entregar resultados no médio-longo prazo.

Falando sobre a evolução do campo do investimento social, viemos de um mundo absolutamente binário onde existia somente o Segundo Setor, que visa lucro, e o Terceiro Setor, que visa impacto. A grande mudança nessa área, ainda muito recente, é, justamente, a criação do Setor 2.5 (dois e meio), que começou a gerar alguns modelos híbridos intermediários entre o Segundo e Terceiro Setor tais como: ONGs que geram receita própria para cobrir parte ou a totalidade dos seus custos; investidores de impacto, no qual o investidor busca retorno financeiro mas exige uma série de condições atreladas ao impacto social e ambiental que vai gerar; os Negócios Sociais, empreendimentos que nascem com a missão de resolver problemas socioambientais e, para isso, usam a lógica tradicional de negócios vendendo produtos e serviços que conferem sua sustentabilidade financeira e se comprometem a reinvestir todo lucro como forma de buscar perenidade e ampliação do seu impacto.

Essa é a grande mudança que vemos no cenário social e vejo o Instituto Lina Galvani muito bem posicionado para surfar essa onda. Todo mundo está buscando transformação social e melhorar a vida das pessoas, por isso é a hora de “sair do seu quadrado” e atuar “tudo junto e misturado” já que o sonho é o mesmo e as competências e modelos são complementares. No setor de impacto não existe concorrentes: todos que querem resolver os mesmos problemas que você são seus aliados, seus parceiros. O Instituto Lina Galvani já conquistou um importante espaço nesse Ecossistema. É hora de ampliar esse espaço e unir esforços com os outros atores e entregar ainda mais transformação social para nossas comunidades e mais valor para nossos mantenedores.