O coordenador-executivo da United Way Brasil, Rogerio Arns Neumann, é um entusiasta do investimento social que as empresas brasileiras fazem em programas de desenvolvimento comunitário. Mas não deixa de ser crítico. Para ele, as iniciativas devem emancipar as comunidades e não torná-las dependentes.
“Comunidade não é um produto”, afirma o coordenador-executivo, que é especialista no tema. “Não é por ter oferecido treinamento ou cesta básica que automaticamente as pessoas vão melhorar de vida.” A organização da sociedade civil que Neumann gerencia mobiliza talentos e recursos de indivíduos, empresas e instituições para um fundo comunitário que apoia iniciativas da própria comunidade, por acreditar que elas devem ser protagonistas de sua transformação.

Como você analisa a atuação das empresas em prol do desenvolvimento comunitário na última década?
Rogerio Arns Neumann – As empresas sempre se preocuparam com a comunidade do entorno. Seja por iniciativa própria, porque os proprietários ou os funcionários residem na região ou pela preocupação com o consumo de seus produtos pelo mercado local. O que vem mudando é a noção de que atuar com o desenvolvimento comunitário é um caminho estrategicamente mais inteligente. A empresa está vendo que não basta fazer doações ou apoiar a comunidade pontualmente. É preciso repensar o conceito de comunidade e a forma como ela é encarada.

Por que há poucos anos as empresas passaram a ter essa visão? Isso seria resultado da influência da disseminação do conceito de sustentabilidade?
RAN
– Isso estaria mais relacionado à evolução das relações trabalhistas do que à adoção dos conceitos de sustentabilidade pelas companhias. Em muitas empresas – principalmente as que têm unidades fabris localizadas em cidades menores –, os empregados vêm da comunidade onde estão implantadas. Para elas, quanto melhor for a situação da comunidade, provavelmente os funcionários oriundos dessa região serão mais produtivos. Quando contrata pessoas da localidade – ou mesmo quando importa mão de obra –, a empresa gera impacto.

Mas isso não se relaciona com os pilares da sustentabilidade?
RAN
– É possível interpretar nesse sentido. Mas não dá para afirmar o que veio primeiro: se é a consciência da sustentabilidade ou a demanda mais pragmática da comunidade em exigir formas diferentes de se relacionar com a companhia.

Como lidar com a estratégia de desenvolvimento local quando se fala de internacionalização do investimento social privado e de globalização?
RAN
– Aí começam os problemas. Muitas multinacionais, dentro de sua lógica empresarial, possuem uma estratégia global de atuação no investimento social privado. Porém, quando chegam às comunidades do entorno ou às áreas de influência, as demandas são diferentes. Mas há outro desafio: o raciocínio sobre resultados no mundo empresarial é distinto do resultado no investimento social. Um cliente atendido pela empresa há 30 anos é uma medida de sucesso na administração. No investimento social, uma família que depende do apoio da companhia há 30 anos é motivo de derrota. Outra questão importante é que comunidade não é um produto. Não é por ter oferecido treinamento, bolsa de estudo ou cesta básica que as pessoas vão automaticamente melhorar de vida. É um processo focado em três pontos: estimular a formação de lideranças comunitárias; fazer essas lideranças serem reconhecidas e utilizarem as capacidades e talentos locais; e favorecer a conectividade entre os atores interna e externamente.

Como promover o protagonismo dos indivíduos quando o programa de desenvolvimento comunitário termina?
RAN
– O sucesso do fim depende do sucesso do começo. A empresa muitas vezes cria a realidade de um mundo que não conhece, como um projeto lindo e maravilhoso. Depois, simplesmente resolve transmiti-lo para a comunidade, para que ela assuma a responsabilidade. Ninguém aprende a dirigir carro sentado no banco de passageiros. Para todo projeto de investimento social comunitário chegar ao ponto de trazer resultados efetivos e formar novas lideranças, a comunidade precisa ser envolvida desde o começo. Não devemos chegar na comunidade com respostas, mas com perguntas. É necessário objetivar a emancipação do indivíduo, para não torná-lo dependente. Isso começa desde o início do processo, quando a companhia chega para apoiar a capacidade local, não para substituí-la. Sem essa postura, será difícil deixar a localidade.

O que fazer quando uma empresa que possui um programa de desenvolvimento é vendida e a nova proprietária não dá continuidade à iniciativa?
RAN
– É uma questão complexa. Já pude observar em algumas companhias que passaram pela mudança de controle acionário que o investimento social não era resultante de um posicionamento unilateral. Havia uma espécie de coalizão constituída – formada por moradores da região, representantes do governo e outras empresas –, que tornava inviável a simples desistência da instituição privada de seu programa de desenvolvimento comunitário. Todo projeto que traz resultados e sabe comunicá-los se fortalece, fazendo com que fique mais difícil mudá-lo ou simplesmente extingui-lo. O investimento social privado com começo, meio e fim é potencialmente capaz de criar novos modelos de relação com a comunidade. Ele tem de ser uma porta de entrada, seguida por um elevador que provoque transformação e agregue valor, e uma porta de saída. Por definição, não pode ser um investimento para se perpetuar, mantendo o status quo. Quando se monta uma coalizão, divide-se o bolo de responsabilidades e de custos entre todos e, possivelmente, torna-se o investimento social mais barato. Isso faz com que saída da empresa não seja tão significativa.

A empresa deve guardar para si os dilemas que sofre?
RAN
– Não tenha dúvida! Antigamente, as corporações afirmavam que suas obrigações se resumiam em gerar empregos e recolher impostos, mas a história mostrou que elas precisam fazer mais. Hoje, o que se discute é a diferença que o  investimento social privado está gerando, ou seja, o que foi aprendido com ele. Ter sucesso é algo que todos esperam. E todos poderão aprender mais e a empresa contribuir mais simbolicamente com seu investimento social quando compartilha o que aprendeu. É dizer: “apliquei os recursos desta forma e errei” ou “aqui fiz certo”. Esse tipo de reflexão é muito importante, só que é uma quebra de paradigma. É uma cultura organizacional que precisa ser repensada.

Até porque errar no mundo corporativo também é parte do aprendizado.
RAN
– Certamente, inclusive no processo de investimento social. Errar é humano. O problema é não aprender com o erro. Se um investidor social realizou um programa, errou e aprendeu, sua lição também é importante para os outros, para que não sigam pelos mesmos caminhos tortuosos.

*Fonte: www.idis.org.br