Por Jorene Soares Barbosa Rocha*, em “Olhares sobre Desenvolvimento Comunitário – 10 perspectivas do impacto gerado por grandes empreendimentos”**

4

O diálogo foi e sempre será ferramenta fundamental para o desenvolvimento do ser humano, prova disso é o que vem acontecendo na comunidade Angico dos Dias.

Angico fica localizada no munícipio de Campo Alegre de Lourdes, na Bahia, a 72 quilômetros da sede e possui aproximadamente mil habitantes.

As pessoas desse pacato povoado já não acreditavam que mudanças poderiam ocorrer. Mas, numa dessas belas surpresas da vida, surgiu um convite bem especial: jovens, crianças, idosos, professores, estudantes, comerciantes, lavradores, representantes do poder público e das empresas locais e demais moradores, todos foram convidados a participar de uma roda de conversa com o Instituto Lina Galvani. E foi nesse evento que tudo começou.

Desconfiados, incrédulos e de uma timidez avassaladora, aos poucos os convidados foram se aproximando. Lentamente, de forma bem simples e sincera, começaram a se manifestar. E aquilo que vinha sufocando cada um durante tantos anos foi compartilhado entre todos. E eram muitos os sufocos: falta de lazer, de água potável, de renda, de educação de qualidade, de segurança, de tecnologia e até impactos causados pela instalação de uma unidade mineradora da empresa Galvani no povoado. Muita coisa colocada em pauta. Todos perceberam que algo precisaria ser feito imediatamente.

E aquele encontro abriu caminhos para novos encontros. A partir de então a comunidade passou a se organizar, a se reunir, a se mobilizar em busca de soluções para os problemas que afetavam aquele povo. Rosa Maria Ribeiro, moradora de Angico, professora da Rede Municipal, percebeu a evolução de um aspecto que já estava presente entre seus conterrâneos: “Aqui as pessoas sempre gostaram de ajudar umas às outras, é uma característica nossa, o que mudou foi que agora a gente se reúne, debate e procura soluções para ajudar quem está precisando”.

Determinados e conscientes do poder que tinham, estavam ali, prontos para ir em busca de melhorias. Mas como fazer? Por onde começar? Que caminhos trilhar? Foi aí que, mais uma vez, surgiu o Instituto Lina Galvani com uma metodologia clara, objetiva, inspiradora, com a qual incentiva, identifica e levanta temas prioritários, mobilizando a comunidade em busca de soluções compartilhadas.

E como foram difíceis os primeiros passos! Quantas incertezas! Quanta insegurança! Mas o desejo de mudança era maior. Nada nem ninguém tiraria daquelas pessoas a vontade de aprender e de fazer acontecer.

Para que todos pudessem entender, se envolver e buscar com maior clareza melhorias para a região, o Instituto Lina Galvani realizou uma capacitação para o trabalho em Redes Sociais Solidárias – que acontece com a união de pessoas de diferentes setores de uma comunidade em prol de interesses comuns.

A partir de então, foi formada a Rede Social de Angico, Peixe e Região, que reúne representantes e atores locais, tornando-se mais um espaço de participação e diálogo. Gilmar Ribeiro de Souza, morador da comunidade, professor da Rede Municipal, afirma que antes não tinha conhecimento de que poderiam resolver vários problemas usando essa relação, esse elo que foi formado. “Eu acredito muito na nossa rede, que vai nos dar um caminho mais próximo para conseguir as coisas, dividindo as responsabilidades”, comenta.

A cada novo encontro surgiam novas ideias, descobertas e percepções. Inicialmente todos ficaram perdidos em meio àquele turbilhão de novidades, uns queriam construir uma praça (espaço perfeito para dialogar, brincar, passear, namorar – por que não?), outros pensavam em eventos voltados para o pessoal da terceira idade, como festas com sanfoneiros locais e encontros para conversas, apresentação e degustação de receitas. Havia ainda aqueles que queriam cursos de geração de renda… Enfim, eram muitos os desejos.

Consciente de todas as inquietações daquele grupo, o Instituto Lina Galvani se preocupou com a parte prática e metodológica, proporcionando oficinas e capacitações com profissionais extremamente qualificados e de uma sensibilidade incrível.

Os membros da Rede Social passaram a se reunir uma vez por mês, geralmente no último final de semana. Nessas reuniões, que acontecem até hoje, são apresentados o andamento de cada projeto, dificuldades e expectativas individuais e coletivas.

Tudo foi acontecendo de forma gradativa. Muitas reuniões, debates, combinados. Até o grupo ficar estruturado da forma que se encontra hoje, várias dificuldades foram vencidas. Cada vitória, por menor que parecesse, era celebrada com muita euforia.

Atualmente, a Rede Social conta com seis projetos: Coleta Seletiva, Resgate Cultural, Grupos Socioprodutivos, Manutenção da Praça, Diversão Não Tem Idade e Incentivo à Leitura. Alguns desses, com avanços surpreendentes, como é o caso da praça São José, construída pelos próprios moradores, realização de um sonho antigo, considerado impossível por muitos, até que todos percebessem o poder de transformação que possuíam estando unidos, conectados.

Antes da formação da Rede Social não havia praça na localidade, mas era um desejo de todos que fosse construído um espaço público de lazer em um terreno em frente à igreja católica. Foi numa das reuniões do grupo que se ouviu a tão esperada frase dita por Leonilde Alves, estudante e moradora da localidade: “E que tal se a gente fizesse uma praça?” Todos aprovaram a ideia, procuraram uma empresa de topografia que se encontrava na localidade, pediram ajuda, e eles resolveram ajudar fazendo a planta da praça. A partir daí, o que aconteceu foi uma verdadeira maratona em busca de recursos para colocar em prática o que estava no papel. Moradores da comunidade e localidades vizinhas, prefeitura, empresas e comércios locais, todos contribuíram para que esse sonho se tornasse realidade.

E a praça foi feita! Foi organizado um mutirão para que iniciasse o trabalho de construção, mais de duzentas pessoas compareceram e, dentro de três dias, lá estava a praça – ainda precisando de acabamentos, é verdade, mas já bonita e bem aconchegante.

O Projeto de Construção da Praça deu lugar ao Projeto de Manutenção da Praça. Hoje tem um grupo que se preocupa em manter a praça limpa, bonita, iluminada e arborizada. D. Minininha, aposentada, moradora de Angico, relembra: “Alguém dizia que a gente era boba, besta, que isso nunca aconteceria, mas a gente nunca desanimava”.

O melhor de tudo é isso: perceber a satisfação pessoal de cada um, a união que se estabeleceu entre aquelas pessoas, a solidariedade entre todos, o desejo de mudança daquela gente guerreira do sertão nordestino.

Muito já se ouviu falar da Rede Social de Angico, Peixe e região. Localidades vizinhas, sede do município, prefeituras e secretarias procuram membros da Rede para conhecer os projetos e a forma de organização do grupo. Aquelas pessoas adquiriram um poder de voz incrível. O grito daqueles cidadãos ecoa longe. Grandes parcerias já foram estabelecidas com os setores privado e público. O que se observa é que ninguém quer ficar de fora de ações tão bonitas, tão humanas, tão raras nos dias atuais.

Hoje, a Rede Social tem cerca de trinta integrantes e seis grupos de trabalho. Projetos elaborados de acordo com as necessidades apresentadas nas rodas de conversa. Comodismo nunca mais!

A realidade por aqui já não é mais a mesma. Ficar dependendo da iniciativa do poder público para que melhorias cheguem à comunidade é coisa do passado. Buscam-se parcerias, mostram o desejo de trabalharem juntos, mas esperar, sentados, isso ninguém quer mais.

É com esse espírito de força que todos seguem em frente. Grupos se organizam, procuram a prefeitura, as empresas e comércios locais e circunvizinhos e os próprios moradores em busca de captação de recursos para a concretização de seus sonhos. Ajuda nunca faltou a esses guerreiros que desejam o bem-estar para todos. A estudante e moradora do povoado Lívia Ellen Soares Rocha acredita que a Rede Social contribui para essas transformações: “Agora as pessoas não pensam mais só em si, elas pensam no coletivo, e é assim que eu acho que deve ser”.

Sábias pessoas que enxergam longe, que não vivem isoladamente, que fazem amigos, que se reúnem, riem, se divertem, dialogam. No decorrer dessa caminhada, quantas coisas boas já não carregam em suas bagagens? Muita satisfação, alegria, amizade, conhecimento, companheirismo, bens que levarão por toda vida. Recursos que dinheiro nenhum do mundo conseguirá comprar. Ingredientes que tornam a luta mais leve, mais saudável, com mais sentido.

Quando questionados sobre algo que os preocupa, a maioria dos integrantes da Rede Social relata que uma de suas maiores preocupações é que o grupo enfraqueça. Segundo eles, ter um grupo forte como esse é uma conquista de todos que deve prevalecer.

Tanta gente passou por Angico dos Dias, vindas em favor da Rede. Pessoas que deixaram um pouquinho de si, que levaram um pouquinho do grupo. Amigos que são lembrados, que são imitados. Mistura de culturas. Sentimento de gratidão, de respeito, de consideração.

Observando todas essas mudanças, esse desenvolvimento que é percebido à longa distância, dá uma sensação gostosa, um calor no coração, um frio na barriga, uma leveza na alma. Finalmente, o grito que estava preso na garganta ecoa por todos os cantos: “Eu posso, eu realizo, eu faço a diferença!” E a busca por novas conquistas continua. Muito ainda há de se ouvir falar da Rede Social de Angico, Peixe e região.

* Jorene Soares Barbosa Rocha é moradora de Angico e membro da Rede Social, graduada em Letras-Português pela Universidade Luterana do Brasil e pós-graduada em Literatura Brasileira pelo Centro Universitário Barão de Mauá. É professora na Rede Municipal de Campo Alegre de Lourdes – Bahia há dezoito anos. Atualmente trabalha com ações voluntárias e projetos que visam ao desenvolvimento comunitário.

** Publicação, organizada pelo Instituto Lina Galvani, aborda o desenvolvimento territorial sob diferentes perspectivas, por meio de artigos ou cases assinados por especialistas e envolvidos com o tema, convidando à continuidade da reflexão. Acesse a versão completa online da publicação.