por Felipe Bannitz*

O Brasil vive um momento importante para o enfrentamento à pobreza. Além de políticas públicas orquestradas, que convergem para a inclusão produtiva, grandes institutos de responsabilidade social empresarial e organizações sociais se somam a esse grande esforço. Em todo o país, comunidades avançam na estruturação de iniciativas empreendedoras de inserção de comunidades de baixa renda em diversas cadeias produtivas, com destaque à agricultura familiar, processamento de alimentos, confecção e artesanato.

A grande riqueza imaterial relacionada à diversidade cultural brasileira, o interesse das comunidades na produção de artesanato e a expansão desse mercado estimulam projetos de fomento a essa atividade. Experiências de referência conseguem transformar o patrimônio imaterial em produtos comerciais capazes de abastecer grandes redes varejistas e até serem exportados sob a bandeira do comércio justo (fair trade).

Porém, apesar de representarem oportunidades econômicas, o fomento a essas cadeias produtivas exige analisar os impactos de longo prazo na reestruturação das economias locais. Alguns cases apontam para um grande risco de essas atividades enfraquecerem a segurança alimentar e a diversidade das economias comunitárias.

Um caso emblemático é o da comunidade indígena Pataxó do sul da Bahia. Vivendo próximo a Porto Seguro, região que apresentou grande expansão do turismo nos anos 1990, essas comunidades ampliaram sensivelmente sua produção de biojóias e artefatos culturais, tendo como consequência o abandono da agricultura. Em 1995, com o excesso de oferta de artesanato Pataxó, os preços despencaram e a comunidade passou a sofrer crises de abastecimento. Desde 1998, a Fundação Nacional do Índio e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, em parceria com lideranças comunitárias, empreendem esforços para a retomada dessa atividade sem provocar impactos sobre a segurança alimentar.

Casos assim repetem-se em diversas regiões do Brasil e esse é o grande dilema do desenvolvimento de cadeias produtivas atreladas ao artesanato. Para resolvê-lo, se faz necessário integrar essas atividades produtivas à diversificação das economias locais, com destaque para a produção da agricultura familiar, capaz de garantir a segurança e soberania alimentar de comunidades já fragilizadas.

No caso do povo Pataxó, a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Fundação Getúlio Vargas (ITCP-FGV) atrelou as atividades de fomento ao artesanato a um fundo rotativo para estimular a produção agrícola, composto por 15% das vendas viabilizadas com apoio da Agência de Comercialização da ITCP-FGV. Quanto mais artesanato for comercializado, mais recursos têm a comunidade para diversificar a agricultura. A perspectiva é criar um Banco Comunitário que fortaleça a produção local e oriente o consumo, de forma a gerar círculos virtuosos de geração de renda e desenvolvimento local.

A iniciativa aponta para um paradigma de fomento ao desenvolvimento econômico local que integra vocações da comunidade e oportunidades de mercado com o fortalecimento da produção orientada para o abastecimento local. Do contrário, projetos de geração de renda que não lancem um olhar mais amplo para a dinâmica das economias locais podem gerar mais problemas do que soluções.

* Felipe Bannitz é mestre em Gestão e Políticas Públicas na FGV, Bacharel em Ciências Econômicas pela FEA-USP com especialização em Economia Solidária e Tecnologias Sociais pela Unicamp e Fellow da Ashoka Empreendedores Sociais. Desenvolve ações e pesquisas nas áreas de Economia Solidária, Negócios Inclusivos,  Microfinanças, Comércio Justo e Desenvolvimento Local.