Imagem ilustrativa (fonte: www.projetodomhelder.gov.br/)

O sentido da “inclusão produtiva”

A marca histórica do meio rural brasileiro é o elevado índice de pobreza e de exclusão social, o qual não consegue ser adequadamente analisado quando se busca entender o fenômeno da pobreza apenas pelo comportamento da renda doméstica, inclusive relacionando-a ao próprio comportamento de agregados macroeconômicos, como é o caso do Produto Interno Bruto (PIB). Nessa perspectiva, os termos do debate ficam circunscritos apenas ao horizonte do crescimento econômico, inclusive associando esse último equivocadamente ao tema do desenvolvimento.

É essa trajetória analítica que atualmente encontra-se em questão, uma vez que a associação histórica entre crescimento e desenvolvimento se desfez, em grande medida, devido aos próprios impasses dos modelos adotados nas distintas sociedades. São exatamente as diversas crises que rondam a humanidade no tempo presente as porta-vozes da necessidade de um repensar sobre essa forma de debater os problemas globais, em especial o modelo de desenvolvimento.

Um ponto crucial nesse contexto é a emergência de um novo paradigma técnico produtivo devido à necessidade de respostas aos desafios da sustentabilidade. Esse processo se explicita de diversas formas. Na agricultura, particularmente, está em curso uma corrida em busca de novos processos produtivos assentados menos nos princípios da revolução verde (mecanização e quimificação) e mais voltados ao uso intensivo de biotecnologias e de produtos baseados na transgenia.

Todavia, não se observam no horizonte próximo alterações no processo de dominação que se estabeleceu mais fortemente depois do pós-guerra. Em grande medida, essa dominação impossibilitou a emergência de uma ordem social amparada na garantia e ampliação dos direitos de todos e no combate sem tréguas à exclusão social. Para isso, um princípio elementar seria a conformação de políticas públicas universais capazes de garantir o acesso para todos ao trabalho e aos bens públicos, especialmente aos serviços de saúde, educação, moradia, saneamento e alimentação saudável e de qualidade.

Em síntese, os temas até aqui tratados procuram realçar a necessidade de rearticular o processo de desenvolvimento numa perspectiva maior (horizonte do território), dando a essa remodelação visibilidade para que a participação e a geração de novas oportunidades sejam a marca de um novo tempo. É a isso que muitos se referem quando propõem a inclusão produtiva enquanto elemento estratégico de combate à exclusão social e à pobreza.

O debate sobre inclusão produtiva

Observando as diversas experiências – governamentais e também não governamentais – em curso relativas à inclusão produtiva, nota-se que na maioria dos casos a estratégia se resume à promoção de ações voltadas ao incentivo de geração de trabalho e renda aos grupos sociais vulneráveis enquanto elemento central para erradicar a pobreza. Para tanto, busca-se o fortalecimento de pequenos negócios; a articulação de segmentos de cadeias produtivas; a disponibilização de programas de treinamento de mão de obra visando ampliar as capacitações pessoais; a elevação da renda per capita familiar etc.

Segundo o MDS (2010), a construção do desenvolvimento do País passa pela ampliação e coordenação de ações de inclusão produtiva, senda esta um processo econômico e social que conduz à formação de cidadãos integrados ao mundo por meio do trabalho. Portanto, o objetivo da inclusão produtiva é proporcionar autonomia para as pessoas sobreviverem de maneira digna e sustentável tendo trabalho.

Nessa perspectiva, esse órgão governamental propôs uma Política Nacional de Inclusão Produtiva (PNIP) visando proporcionar aos indivíduos em situação de vulnerabilidade econômica e social o acesso a mecanismos que permitam sua inserção sustentada na produção de bens e serviços, com o objetivo de superar as dificuldades que os trabalhadores não assalariados enfrentam em uma economia de mercado com as características da economia brasileira.

Visando desenvolver uma nova socioeconomia, a PNIP definiu como objetivos da inclusão produtiva as seguintes ações: a) democratizar a produção e distribuir renda e riqueza; b) criar um ambiente institucional favorável para o desenvolvimento de iniciativas produtivas, priorizando o público do CadÚnico e os produtores independentes de unidades familiares de produção, de empreendimentos solidários e de microempresas; c) possibilitar a retenção e a multiplicação da renda no âmbito local e regional; d) evitar os previsíveis problemas sociais oriundos dos grandes projetos; e) promover o reordenamento do território, favorecendo o crescimento em bases econômicas equitativas e sustentáveis.

Em grande medida, pode-se afirmar que essas proposições do MDS sobre inclusão produtiva estão amparadas nas oportunidades que o novo ciclo de crescimento da economia brasileira está propiciando, via investimentos produtivos em diversas regiões do País. Com isso, esse órgão governamental entende que existe uma chance real de se resgatar a enorme parcela da população excluída dos ciclos anteriores, especialmente de cerca de 22 milhões de pessoas que, no ano de 2011, estavam aptas ao trabalho, mas se encontravam em situação de vulnerabilidade social. Nessa perspectiva, entendem também que a PNIP teria o potencial de gerar milhões de postos de trabalho.

Para Garcia (2011), o processo recente de redução da pobreza no Brasil revela diferenças importantes em relação a outros países. Assim, enquanto que na Europa e na América do Norte melhorias nos indicadores de pobreza e de desigualdade decorreram do maior acesso a empregos decentes e com melhores salários, no Brasil a redução da pobreza depende fortemente dos programas governamentais de transferência de renda. Para o autor, “uma das explicações fundamentais do sucesso dos países desenvolvidos é que, com forte apoio estatal, foi possível estabelecer uma vigorosa sinergia entre a inserção produtiva (como produtores independentes, economia familiar, cooperativas e empresas sociais) de parcelas dos trabalhadores fora do mercado de trabalho (assalariado) da economia, o aumento da produtividade que essa inserção propicia e os estímulos que gera para o setor capitalista majoritário” (Garcia, 2011:28).

Até aqui ficou evidente que o debate sobre a inclusão produtiva permanece circunscrito à esfera do mercado de trabalho. Sabemos que, em momentos de crise e/ou de reestruturação produtiva, ajustes no processo de trabalho são frequentes, os quais têm implicações diretas sobre as camadas mais vulneráveis da sociedade.

As heranças da década de 1990 e seu ajuste estrutural estão aí para comprovar essa argumentação. Não é por menos que exatamente naquele período se verificaram as maiores taxas de informalização do mercado de trabalho em praticamente todos os países da América Latina, ocasionando forte expansão dos índices de pobreza, que atingiram seu teto máximo em 2002. Naquele ano, 43% da população latino-americano foi enquadrada como pobre.

Em função disso, advoga-se que a questão da inclusão produtiva precisa ser entendida para além do mercado de trabalho. Para tanto, torna-se necessário fazer uma articulação entre três esferas essenciais enquanto estratégia unificada de combate à pobreza: a produtiva; a de acesso aos mercados de bens e serviços; e a de inclusão social via políticas públicas.

No primeiro caso, destacam-se políticas específicas voltadas às atividades produtivas capazes de agregar valor aos produtos e ampliar o acesso aos mercados locais e regionais; e voltadas ao processo de construção de novas formas de organização da produção pautadas pelo princípio da economia familiar e solidária, por exemplo, que procuram estabelecer métodos produtivos centrados na gestão e conservação dos recursos naturais.

No âmbito da inclusão via acesso aos bens e serviços, é fundamental garantir as camadas mais vulneráveis da população o direito aos serviços de infraestrutura básica, especialmente de moradia e saneamento dignos, bem como aos demais serviços públicos nas áreas de saúde, educação, transportes, cultura e lazer.

Finalmente, a inclusão via política social é o elo do tripé capaz de garantir inversões no processo de conformação da pirâmide social, em cuja base deverá estar assentada toda a estratégia dessas políticas. Para tanto, manter e ampliar as políticas de transferência de renda; ampliar as ações sociais junto às camadas vulneráveis; e estimular a organização social são ações efetivas que irão contribuir no sentido de se promover uma inclusão social ao estilo bottom up.

* Estratégias de inclusão socioprodutiva: VI Fórum Internacional de  Desenvolvimento Territorial / Carlos Miranda e Breno Tiburcio (organizadores) – Brasília: Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), 2012. Disponível em: http://www.iica.int e http://www.iicaforumdrs.org