“Acreditamos no diálogo e na abertura de espaços que promovem a integração, o alinhamento entre setores e todo o arcabouço de princípios ideológicos e metodológicos para a governança participativa como um caminho para o desenvolvimento”. É dessa forma que Bruno Gomes define as razões para se envolver ativamente, como secretário técnico do Grupo de Diálogo: Mineração, Democracia e Desenvolvimento Sustentável, na organização dessa edição do Dialogando. Com mais de 10 anos de experiência na realização de projetos em governança territorial, desenvolvimento sustentável e participação cidadã, articulando empresas, poder público e sociedade civil, Bruno nos ajudou na preparação do evento e definição dos temas. Na entrevista desse mês, conversamos com ele sobre os principais assuntos tratados durante o encontro:

Dialogando Alta (328)

Bruno Gomes durante sua apresentação no evento Dialogando

Qual a importância de ter um evento como o Dialogando?
Entre as pessoas que estudam o desenvolvimento territorial, há um consenso no fato de que ele não depende só do poder público, da iniciativa privada ou de uma sociedade civil ativa. O desenvolvimento territorial é função de um arranjo entre esses três setores, de uma visão e uma agenda comum de ações. Falar de governança, tema principal dessa edição do Dialogando, é debater sobre como como esses três setores podem pensar juntos e trabalhar unidos para um desenvolvimento sustentável, com mais igualdade e justiça social. Essa discussão chega em um momento muito oportuno no qual precisamos de um aprofundamento nas questões sobre governança, metodologias e formas de fazer o trabalho e fomentar um bom arranjo de governança e uma atuação de maneira integrada no território.

Quais os principais desafios nesse processo de propor formas e mecanismos de governança que unam os três atores?
Tem um desafio que é, justamente, conciliar agendas e interesses que são um pouco distintos – ou que, inicialmente, podem parecer distintos. Sabemos que o empreendimento privado tem algumas regras e interesses específicos próprios da iniciativa privada – e não há nenhum problema isso. O poder público tem o seu tempo, sua agenda e uma forma de atuação um pouco mais engessada. E a sociedade civil é, muitas vezes, desarticulada. Então, é um desafio coordenar esses três setores e olhar para as convergências, ou seja, aquilo que é interessante para eles no desenvolvimento do território. Pensar em um desenvolvimento mais sustentável e inclusivo é interessante para o setor público no cumprimento da sua missão; para o setor privado na criação de um ambiente mais sereno de atuação; e, evidentemente, para a sociedade civil. Em um primeiro momento, articular os interesses distintos em volta dessa agenda comum é bastante desafiador. O segundo passo é conciliar a atuação. Um dos elementos mais importantes da governança territorial é essa gestão integrada entre os setores e, depois, entre campos de atuação – no sentido social, ambiental, cultural e econômico, por exemplo –, que são pilares do trabalho nos territórios.

Dialogando Alta (329)

É complicado integrar os campos de atuação?
Sim, porque há uma série de processos que não estão muito bem regulamentados ou estabelecidos. Vamos dar como exemplo o caso de um grande empreendimento que precisa conseguir uma licença socioambiental. Muitas vezes, por conta de uma pressão que existe em avançar rapidamente no processo de licenciamento, estabelecem-se condicionantes (como compensações, obrigações ou contrapartidas) que não foram combinados ou alinhados tanto com as necessidades da sociedade quanto com as capacidades do poder público local. Há vários casos de equipamentos públicos que foram construídos, repassados para os governos e, depois, simplesmente abandonados. E pode não ser uma questão de má gestão, mas de falta de orçamento e de capacidade técnica para se manter esses equipamentos. Ou seja, faltou alinhamento, integração. Faltou pensar como esse investimento social privado iria se alinhar com as políticas públicas. É importante também um alinhamento com as necessidades da sociedade civil. Se não houver o envolvimento dela, de forma que ela participe do preparo e se aproprie daquela iniciativa, dificilmente vamos ter sucesso. No Dialogando, os casos mais interessantes apresentados foram, justamente, aqueles que, a partir de uma iniciativa da empresa junto à comunidade, foram chamados o poder público e as lideranças para criar, conjuntamente, esse arranjo de governança e espaços de diálogo e de leitura e planejamento do território.

Quem, hoje em dia, está sendo o principal responsável por fazer essa ponte entre os setores?
Vemos muitas iniciativas dos próprios empreendimentos, por meio de seus Institutos, Fundações ou departamentos e diretorias relacionados a responsabilidade social, sustentabilidade ou relação com a comunidade. Cada vez mais, há um entendimento por parte da iniciativa privada de que é importante fomentar e promover espaços de discussão, de planejamento e de diálogo nos quais o território é o centro da discussão, e não o empreendimento. As empresas, Institutos e Fundações mais avançados já estão atuando dessa forma e se colocam como facilitadores de abertura desses espaços que discutem também questões relativas a outros atores econômicos, à atuação do poder público, à dinâmica econômica que já existia no território. São debates mais amplos que buscam, justamente, construir espaços de governança territorial integrados e mais participativos.
Outras vezes, essa mobilização parte de organizações da sociedade civil, consultorias especializadas ou demais parceiros. E há casos nos quais o poder público inicia as discussões e promove esse tipo de espaço. Aliás, o poder público, por conta do seu mandato e legitimidade que tem dentro do nosso sistema político, seria o grande mediador e promotor de uma governança territorial mais democrática, participativa e integrada. Mas, infelizmente, isso ainda é muito raro da gente ver.

O poder público encabeçar essa integração seria o mais lógico?
Exatamente. Pelo papel que teoricamente ele tem e pelo posicionamento, digamos, mais neutro, já que não haveriam interesses privados ou de lucro, ele poderia ser um grande promotor dessa liderança integrada. Muitas ações que são responsabilidade dos governos poderiam ser melhor alinhadas com iniciativas de atores econômicos e da própria sociedade. Porém, infelizmente, o poder público ainda vê a abertura desses espaços de discussão como uma limitação para o poder que detêm, como um obstáculo à execução de uma política tradicional e uma espécie de ameaça ao poder que exercem sobre o território. Abrir espaços de participação e pensar com outros atores a governança territorial é, de certa forma, compartilhar poder.

Dialogando Alta (308)

Durante o evento, vimos vários exemplos de projetos com foco na capacitação da comunidade e do poder público. É esse o caminho?
Quando surgiram as primeiras tentativas de abrir espaços participativos, de pensar a governança mais democrática, aberta e com a integração entre os setores, as instituições que trabalham na área começaram a perceber que há uma questão relacionada à qualidade dessa participação. Não adianta apenas chamar o poder público, a sociedade civil e as empresas e reuni-los numa sala para começar a discutir questões de desenvolvimento territorial quando não há o conhecimento de alguns temas – não apenas a parte técnica, mas também uma capacidade de articulação, de organização. É importante realizar um trabalho de fortalecimento e articulação das comunidades e de suas instituições representativas (como associações, grêmios e sindicatos) para que elas possam participar com qualidade nesse processo. Vemos também projetos de capacitação técnica do poder público, como os que o Instituto Lina Galvani faz em alguns territórios nos quais atua, com um processo formativo no qual se fala de gestão democrática, de território, da importância do poder público compartilhar essa gestão e alinhar suas políticas com os outros atores.
E tem outro ponto muito importante que às vezes esquecemos: a capacitação dentro das próprias empresas, voltada, por exemplo, para os empreendedores e as unidades das companhias que estão presentes nos territórios. Dialogar, participar, planejar junto, pensar as ações com outros atores e se adaptar aos tempos e aos riscos de uma cultura diferente não é algo que está presente na cultura organizacional empresarial naturalmente. Muitas vezes, dentro das empresas, não há essa capacidade de diálogo, de adaptação, de entendimento do outro. Elas também estão aprendendo! E é muito importante que sejam capacitadas também, porque, no dia a dia, quem está em contato com a comunidade e o poder público é muito mais a empresa, a unidade de produção, a operação, do que seu instituto ou fundação, por exemplo.

Qual o impacto de um evento como esse para o setor?
Esses eventos são uma grande oportunidade de o setor compartilhar um pouco do acúmulo do conhecimento que vem acontecendo nos últimos anos. Muitas vezes, os institutos, fundações, empresas, organizações da sociedade civil, consultores, enfim, todos os atores que trabalham com desenvolvimento territorial, avançam em seus projetos, criam programas, têm erros e acertos, mas não têm oportunidade de compartilhar essas experiências. O conhecimento que às vezes é compartilhado é muito mais uma comunicação sobre o tipo de ação feita, os recursos investidos, o número de pessoas que participaram… São dados interessantes, mas o ponto chave e um dos maiores desafios para os institutos, fundações, organizações e poder público é pensar a implementação, a forma como se deu esse processo. Muito mais do que dados objetivos sobre programas, projetos e investimentos sociais, é importante saber como foi a relação entre empresa, comunidade e poder público, que arranjos foram se formando, quais os desafios, quais as soluções. Nesse Dialogando, a gente falou muito disso, e esse conhecimento talvez seja o mais interessante a ser compartilhado, porque temos desafios comuns, temos que enfrentar contextos similares de uma cultura de baixa participação e democracia nos territórios. Então, compartilhar dessas receitas, desse como fazer, é bem interessante e o evento tem esse impacto de nos colocar em contato e ver o que está sendo feito por outros atores.