O desenvolvimento de potenciais nas comunidades é um dos pilares do Instituto Lina Galvani. Ao longo dos nossos 15 anos de história, estamos atentos em reconhecer, fortalecer e ampliar as capacidades locais. Entre os caminhos utilizados para esses objetivos estão a viabilização de cursos, vivências, formações e intercâmbios. Outra importante ferramenta é o apoio a projetos nas localidades. Em 2016 lançamos o Edital Agenda de Futuro, em Serra do Salitre (MG), que evoluiu para o Ideias e Ações, que contemplou dez iniciativas no município de Luís Eduardo Magalhães e no povoado de Angico dos Dias, ambos na Bahia. Na série de entrevistas especiais que estamos realizando em comemoração aos 15 anos do Instituto, conversamos esse mês com a nutricionista Elina Maria Longatti Ferreira. Ela foi uma das contempladas do Ideias e Ações em Luís Eduardo Magalhães com seu projeto Toda Quinta Tem Livro, de incentivo à leitura, e representa todas as inciativas que contaram com o nosso apoio em toda nossa trajetória:

O PRIMEIRO CONTATO

Por ser de Luís Eduardo Magalhães, sempre conhecemos o Parque Fioravante Galvani, hoje Vida Cerrado, que preserva os animais e flora da região. Um dia, fui o grupo que monitoro, do Toda Quinta Tem Livro, visitar o Parque e conheci a Thaís, agente local do Instituto Lina Galvani. Foi quando ela soube que trabalho com um projeto no bairro Jardim das Acácias e me informou sobre o Ideias e Ações.

Elina durante as oficinas do Ideias e Ações

OFICINAS PARA O EDITAL

Logo que comecei a fazer as rodas de conversa do Instituto, percebi que se tratava de uma metodologia muito moderna, com boas dinâmicas e tutores de uma experiência incrível. Não consegui mais faltar em nenhum momento! Gostei da forma como tudo era colocado e os caminhos para identificar os problemas da comunidade. Tudo isso conjugando com um projeto meu que já estava em andamento, foi perfeito. Pude visualizar como tudo se encaixava. Quando falavam de custo, por exemplo, eu já imaginava do que se tratava. Quando falava do que a comunidade precisava, eu também tinha um embasamento, porque já estava com o projeto rodando há um ano. Então, consegui conciliar as novas informações com a minha experiência. Fui muito frequente nas oficinas, não faltei a nenhuma, já visualizando esse tesouro que nos foi dado pelo Instituto por meio do Ideias e Ações.

“Gostei muito das dinâmicas e do tipo de assuntos tratados. Nos colocaram a par, por exemplo, do que a ONU tem proposto para a sociedade. O fato de que o micro tem um grande potencial de transformação local. Temos a capacidade de mudar as coisas! Me senti muito valorizada por isso”

AS RODAS DE CONVERSA

Eu fiquei encantada com as rodas de conversa. Achei puro sentimento misturado com ação. Fiquei feliz em poder mesclar os dois! Quando tive a oportunidade de falar dos nossos problemas, mesmo naquele pequeno intervalo de cada um falar do seu projeto, foi muito bom. Adorei a proposta de que quem está ao seu lado pode te ajudar a resolver algumas questões, com atitude e sugestões. Foi sensacional, foi moderno, foi pop! As rodas de conversa agregam muitas coisas. Um exemplo: em uma delas, um dos contemplados falou que seu projeto não estava seguindo de acordo com o que esperava e, como o restante dos contemplados já tinham projetos em andamento, elucidamos vários pontos para ele. E à medida que ouvíamos o relato do outro, também enriquecíamos o nosso projeto.

Elina, no meio, na última oficina de projetos

O COMEÇO DO TODA QUINTA TEM LIVRO

Em frente à minha casa, fizeram um condomínio com muitas crianças. Um dia, vi na rua quatro delas e perguntei se poderia ver seus caderninhos. Elas me mostraram um caderno brochura, pequeno, para o ano inteiro! Pensei que precisava contribuir com alguma coisa e perguntei se gostariam de ler os livros das minhas filhas. Emprestei os exemplares e disse que, como eram livros infantis, dali a uma semana, na quinta-feira seguinte, teriam que devolver. Surgiu, assim, o Toda Quinta Tem Livro. O que começou com cinco crianças se transformou, hoje, em um grupo de 30. Com o tempo, percebi que, para estimular ainda mais a leitura, era preciso ir para a biblioteca, ao Parque Vida Cerrado e outros lugares. Então fizemos alguns passeios. Também comecei a pedir mais livros, pois tinha poucos e eles já estavam fazendo trocas entre eles. Consegui doações e fiquei com uma boa quantidade de exemplares.

COMO FUNCIONA O PROJETO

Eu me intitulei “mediadora de livros”. A crianças chegam por volta das 18 horas, sentamos em roda, fazemos exercícios de respiração e uns minutos de silêncio para acalmar os ânimos. Também há uma dinâmica ou um alongamento. Depois, começo perguntando se todos leram os livros. Tenho o feedback deles sobre o que acharam de legal e o que aprenderam e peço se querem ler um pedacinho. O fato de alguns deles não lerem – e sei que às vezes acontece – considero um detalhe, pois o projeto já tomou outra dimensão. Quero que fiquem perto dos livros, pois isso já os incentiva. O Toda Quinta Tem Livro atende a crianças de 3 a 13 anos. Incluí os pequenos ainda não alfabetizados porque seu irmãozinho maior vem e fica responsável por ler mais um livro para ele.

A TRANSFORMAÇÃO NAS CRIANÇAS

Sempre falo que, hoje, eles são muito mais do que crianças, são leitores. Não tenho a dimensão de quanto melhoraram na escola em geral, mas percebo que estão indo bem em português e, realmente, lendo bastante. Ano passado, por exemplo, cada um leu 50 livros. São dois ou três obras que levam por semana! Fora que o projeto tomou essa dimensão mais ampla. Fazemos as visitas culturais, como quando fomos à rádio e todos puderam falar ao vivo.

“Algo que acho muito importante é o senso de grupo que as crianças formaram. Se alguém rasga o livro, o outro já pergunta porque ele fez isso, cobra mesmo. Quando vai chegando a hora do projeto, um já começa a chamar o outro para a atividade”

Elina durante a primeira oficina de Educomunicação neste ano

JANELA PARA OUTROS TEMAS

Meu principal objetivo é, mesmo, incentivar a leitura que, por si só, já traz grandes coisas. Mas há caldeirão de possibilidades de trabalho com eles. Não posso deixar de pincelar temas como responsabilidade, meio ambiente, fofoca na rua, senso de grupo, respeito de ficar em silêncio enquanto o outro estiver falando, cuidado com o livro, agradecimento que devem dar à professora, cantineira e outras pessoas que fazem parte da vida deles.

“É lindo o acesso ao verbo, à linguagem culta, à arte que o livro infantil traz. Sempre ressalto para eles os desenhos, peço para observarem cada detalhe. Acho que eles estão tendo acesso à cultura completa: histórias e arte”

O APOIO DO IDEIAS E AÇÕES

Quando recebi a notícia de que o projeto foi um dos selecionados, fiquei muito feliz por eles! Sem querer ser piegas: o projeto é deles, não meu. Esse apoio do Ideias e Ações, em primeiro lugar, estimula a gente. E ele também impulsiona o projeto. Eu já não tinha mais livros e precisava comprar obras mais modernas, inclusive algumas que as próprias crianças pediam e davam as dicas. Então, esse é um dos pontos que o Ideias e Ações vem suprir. Tem ainda o apoio financeiro para o transporte para os passeios culturais e a possibilidade de fazer as ecobags nas quais eles poderão levar os livros. O projeto terá, a partir de agora, o aniversariante do mês, com uma festinha mensal com bolo, balão e velinha. Outras novidades possíveis pelo apoio do edital foi a compra de estantes para guardar os livros e a oportunidade que tive de fazer um curso de um ano de contação de histórias. Dentro do projeto, também coloquei um chefe de cozinha para vir cozinhar para eles.

“Meu sonho é, realmente, divulgar essa ideia da simplicidade do projeto. Que ele pode ser replicado por quem tiver interesse. Também quero levá-lo para dentro das empresas, em um formato no qual os funcionários podem levar em uma ecobag um livro para ler com seu filho em casa. Isso fortalece os vínculos familiares e faz os exemplares rodarem. Não podemos deixar os livros parados nas estantes!”

Participantes do projeto