por Silvia Morais – Especialista em Responsabilidade Social

 

Um governo é eficaz e participativo como resultado de uma sociedade capaz e consciente das vantagens de um ambiente democrático ou é um governo capaz e participativo que gera uma sociedade consciente e capaz de decidir seu próprio rumo?

Atrevo-me a dizer que nenhum governo se faz eficiente, se não tiver uma sociedade civil capaz de ser um espaço de exercício da cidadania e da democracia e possuir uma enorme articulação com a comunidade na qual está inserida, dando espaço para que todos protagonizem sua própria trajetória política e social.

Uma sociedade civil de base, fortalecida nos aspectos democráticos, de transparência e participação é fundamental para o processo de descentralização do governo, iniciado na década de 80 em grande parte dos países latino-americanos, delegando poderes e responsabilidades aos municípios na implantação e implementação de políticas públicas. O processo de descentralização gerou um novo modelo de relação cidadão-governo, dando uma maior possibilidade de participação para este cidadão no contexto em que está inserido e no qual o governo municipal, por também estar mais próximo, tenderá a ter maior conhecimento das especificidades históricas, sociais e políticas deste território. Há que se investir para que a sociedade civil de base seja forte aliada dos governos municipais, possibilitando que esta relação seja estabelecida por princípios democráticos e participativos. Quanto mais experiência vivida Governo e Sociedade Civil tiverem, maiores as possibilidades das instituições geradas por meio da descentralização serem mais efetivas em suas decisões, tais como conselhos municipais, orçamentos participativos, etc.

A democracia é antes de tudo um processo pessoal, e que necessita ser experimentado para ser incorporado e fazer parte do dia-a-dia do cidadão. Não basta só a instituição por parte do governo ter meios para a participação, é preciso que os cidadãos encontrem este espaço na sociedade civil organizada, da qual ele participe e se organize, que faça escolhas e aprenda a exercitar o ato de escolher e sugerir caminhos para um governo local. É preciso que nos apropriemos destes espaços.

Além de um processo pessoal, a democracia é um processo coletivo e de causas comuns, buscando nas organizações de pessoas e instituições, espaços de diálogo construtivo com o Governo. Entretanto, na América Latina ainda temos que caminhar muito com o objetivo de alcançarmos uma participação cidadã e contarmos com organizações sociais de base que desenvolvam em seus modelos de gestão a influência nas políticas públicas, visando sua melhoria e adaptação à própria realidade.

Logo, investir no desenvolvimento da base da sociedade civil latino-americana é fortalecer todo sistema social de proteção a nós, cidadãos, pois se a sociedade civil organizada é forte, transparente e cidadã, então é capaz de empoderar a população, proporcionando não um canal de choque com o governo, mas um caráter mais comunitário e colaborativo, e assim permitir que a população se situe sobre a capacidade que tem de:

  • Influenciar positivamente nos processos de planejamento governamental;
  • Cobrar efetividade do governo na implementação e no planejamento de políticas públicas;
  • Requerer serviços públicos necessários;
  • Ampliar o acesso à infra-estrutura e aos serviços públicos;
  • Incluir-se no processo de desenvolvimento econômico, social e ambiental do país.

Infelizmente, não estamos falando de uma situação da qual nossa sociedade civil já tenha amplamente percebido esta possibilidade. Temos grandes e significativos exemplos, mas ainda há muito por fazer.

Por outro lado, desde a década de 90, um movimento significativo da sociedade empresarial latino-americana tem provado que sim, pode fazer sua parte. Iniciou um forte processo de filantropia empresarial que ampliou não só sua participação, como efetivamente, sua contribuição financeira e técnica para a sociedade civil. Só no Brasil, em dados recentes do Censo GIFE[2], há um amplo crescimento do volume financeiro e técnico deste setor, que apontam um movimento ao redor de 440 milhões de reais (aproximadamente US$ 220 milhões) em 2006, já tendo alcançado 770 milhões de reais (aproximadamente US$ 370 milhões) em 2004.

Se o volume investido é grande, ainda é pouco perto do investimento do Governo para as políticas sociais. Se há investimento técnico, ainda é pequeno para o fortalecimento das organizações sociais de base. Passadas duas décadas, a filantropia empresarial tem hoje o desafio da escala e da efetividade.

Trazendo novamente a realidade brasileira para aprofundar a questão, segundo uma análise mais aprofundada deste Censo Gife, Simom Schwartmam do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), responsável pela análise técnica dos dados levantados afirma:
“De maneira geral, as organizações que participam do GIFE estão satisfeitas com os benefícios que proporcionam às pessoas e às entidades que atendem, mas reconhecem que seu impacto sobre a região e o país é mais limitado. Isso não poderia ser muito diferente, dada a desproporção entre o grande volume de recursos já investidos pelo setor público e privado no Brasil e na área social e os recursos dos quais os associados do GIFE podem dispor, por mais significativos que sejam. Por outro lado, a flexibilidade e os recursos que essas organizações são capazes de mobilizar poderiam permitir um impacto mais amplo, ajudando a desenvolver novas formas de implementação de políticas sociais, que pudessem ser multiplicadas, e cooperando com o setor público de forma mais sistemática”.(Censo Gife, 2006, páginas 2 -3).

O fortalecimento da sociedade civil de base com o objetivo de proporcionar atuações mais democráticas, transparentes e em rede, visando à melhoria da qualidade de seus programas e projetos, e principalmente possibilitando influir em políticas públicas pode ser, portanto, um modelo a ser pensado e avaliado pela filantropia empresarial na América Latina, pois apresenta maiores condições de impactar em escala e poder de transformação de longo prazo.

* Artigo retirado do site simnospodemos.org.br