Utilizar os meios de comunicação para gerar conteúdo de informação e educação. Esse é o princípio da educomunicação, uma das ferramentas na qual o Instituto Lina Galvani está investindo para potencializar o desenvolvimento comunitário nas comunidades na qual atua. Recentemente, realizamos oficina sobre o tema em Campo Alegre de Lourdes, na Bahia, e Serra do Salitre, Minas Gerais (leia mais nessa reportagem). No município mineiro, a capacitação ficou à cargo de Isabela Rosa da Silva. Formada em Educomunicação pela Universidade de São Paulo (USP), ela atua no Terceiro Setor desde 2012 e já trabalhou com ações educomunicativas na área de projetos e formação de professores e junto a adolescentes, entre outras experiências na área. Na entrevista desse mês, Isabela conversa com a gente sobre a educomunicação e o papel que ela pode desenvolver nas comunidades.

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Quais as bases da educomunicação e como ela pode ser aplicada no desenvolvimento comunitário?
Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa há um movimento, da metade do século 20 para cá, de leitura crítica das mídias e de desenvolver um pouco de, digamos, “receio” com relação aos meios de comunicação, no sentido de perceber se manipulam ou não a informação. Na América Latina, a educomunicação surge com essa pegada de leitura crítica, mas também com um perfil muito forte de produção de conteúdo próprio. Ou seja: você é um produtor dos meios de comunicação, não precisa ficar esperando a grande mídia trazer todo o conteúdo. Hoje, a tecnologia está ajudando muito nesse sentido, com o Facebook, os blogs e o YouTube como meios democráticos de divulgação. Então, a educomunicação prega que a gente pode se apoderar das mídias e dos meios para comunicar.
Nosso trabalho nas oficinas que realizamos é falar sobre esse processo de empoderamento, do planejamento do uso das mídias para algo comunitário e para o desenvolvimento social. Mais do que usar a tecnologia e se apropriar dos meios, ressaltamos que temos que ter consciência do que estamos comunicando e que tipo de comunicação queremos. Conversamos com os participantes, por exemplo, se eles preferem algo igual ao Jornal Nacional ou algo diferente, que valorize as nossas culturas, o próximo, o processo de escuta, a opinião do outro.
No caso do projeto com o Instituto Lina Galvani, a educomunicação é uma ferramenta para o desenvolvimento comunitário, porque parte da premissa que a comunidade precisa se conhecer, escutar-se e se envolver com o outro à partir de uma comunicação que valoriza o diálogo. Por isso, abordamos a importância da conversa, da construção coletiva, da colaboração.

Como trabalhar essa questão do senso crítico no momento atual, no qual somos bombardeados por tanta informação?
Varia de acordo com o perfil da comunidade. Em Angico dos Dias, por exemplo, não há uma banca de revistas, então a comunidade se informa muito no boca a boca, no Whatsapp e nos meios de comunicação tradicionais, com a TV e o rádio. É uma informação que já vem “editada”. Por isso, é importante trabalhar com eles a questão da leitura crítica. Detalhe: não apenas da grande mídia, mas também as informações que chegam via Whatsapp, por exemplo, que muitas vezes são compartilhadas sem saber que podem ser notícias falsas que viralizaram.

I Encontro Educom (14)

O que a educomunicação desperta na comunidade?
Eu diria que, principalmente, a questão do pertencimento. Te dou um exemplo prático: em 2015, nós fizemos uma oficina de educomunicação em Angico dos Dias na qual o resultado foi um programa de rádio. Nele, trabalhamos a valorização do que está perto na comunidade. Levamos moradores da região para contar histórias, ler poesias feitas por eles, dar uma receita de bolo típico. Trabalhamos conteúdos ligados ao cotidiano de onde vivem. O mesmo acontece quando pensamos em um fanzine ou qualquer outro meio: o produto tem que ter a história daquele lugar, falar de pertencimento e de valorização da cultura local. Porque as pessoas já recebem muita informação de fora e achamos que elas precisam ver a si próprias. Quando ouvem alguém conhecido num programa de rádio, por exemplo, mexe com a questão de se sentir pertencente.
Há ainda o ponto da valorização das pessoas. Às vezes, nos espelhamos tanto no outro que acabamos esquecendo o que de bom fazemos. Por isso, uma de nossas dinâmicas é, justamente, reforçar o autoreconhecimento daquilo que você faz de bom. Os projetos de educomunicação nas escolas, por exemplo, são tão bacanas por isso, porque valorizaram o que aqueles jovens têm de melhor. Um aluno com dificuldade de relacionamento, que tira notas baixas e é estigmatizado, ganha a chance de se expressar, ser o protagonista, e se descobre. O mesmo acontece com muitas pessoas da terceira idade, como ocorreu em Angico dos Dias, que com a educomunicação mostraram que ainda têm expressão e muito a comunicar, ensinar.

A educomunicação tem a característica de ensinar algo fácil de ser replicado.
Exatamente. A ideia é que seja algo a ser replicado e feito com os meios que estão disponíveis. Todo mundo tem Whatsapp? Então, por que não usar o aplicativo para comunicar seus projetos? É possível utilizar ferramentas que temos à mão e, muitas vezes, não são relacionadas como um meio de comunicação. Algumas folhas sulfite e recortes de revistas podem virar um super fanzine para ser distribuído na comunidade. Na verdade, o que importa não é o meio, mas comunicar e fazer a mensagem chegar até as pessoas e ser entendida. Nas oficinas que estamos realizando esse ano em Serra do Salitre e Campo Alegre de Lourdes, o objetivo é que os moradores compreendam a importância deles comunicarem seus projetos, de pertencerem a um grupo, de valorizarem a comunidade. Eles vão produzir a própria notícia!